quarta-feira, 22 de junho de 2011

O arrastanço da desenvoltura vertical


Indissociáveis do Verão, companheiras diárias e noctívagas, de várias cores com fundos lisos ou estampados e, pasme-se, até com salto alto, as chanatas são dos objectos mas democráticos e globais da actualidade.

São usadas por ricos e pobres, homens, mulheres e crianças, novos e velhos, na cidade, praia e campo, enfim, são pau para toda a obra.
Então, porque não gosto delas?

É uma questão que se impõe, esta minha aversão às ditas, pois penso, aliás, tenho a certeza, que não me encontro sozinho. Confesso que tenho dois pares, um típico brasileiro de cor cinzento-mate e outro mais moderno que tem pano para colocar entre os dedos, ao invés de plástico, truque que me foi passado por um amigo que as usa 300 dias por ano.

O meu problema em relação às chanatas é o andar com elas. Não sei como fazê-lo sem arrastar os pés e modificar o passo e a postura. Ao fim de uma hora com as ditas, estou com os gémeos desgraçados e a coluna desfeita. Depois olho em redor e observo a maior parte das senhoras a caminhar sobre elas como se estivessem calçadas ortopedicamente. E todas me dizem que sentem um enorme conforto e que as usariam todos os dias, se lhes fosse possível.

Entretanto, massajo os meus doridos músculos e continuo a achar que estas duas peças de plástico não podem fazer bem à saúde. Esta começa nos pés e a medicina tradicional chinesa, entre outras, aposta forte no conhecimento da planta dos mesmos para tratar maleitas do corpo todo. Ora se sinto, imediatamente ao segundo passo, que faço um esforço danado para conseguir dar o terceiro em frente, arqueando o pé e apertando os dedos para que o calçado não me escape, a coisa não pode ser boa. E o corpo, através dos olhos, procura uma solução imediata, seja perceber que o chão pisado pode ser tomado descalço, ou encontrar um par de sapatos dignos desse nome.

Depois há outra coisa que me salta aos olhos e que, realmente, abomino: é ter de ver as unhas pintadas dos pés. Mas que raio... porque é que as pessoas pintam as unhas e ainda por cima dos pés? E aquelas que fazem pendant com a mala e acessórios? Vá-se lá compreender a noção de estética...

Porém, existe uma coisa pior que a chanata: chamam-lhe sandálias (ou sandalochas) e, dentro do género, um modelo específico que não tem biqueira e mostra os dedos dos pés. MEU DEUS! Ainda hoje tenho suores frios quando relembro os primeiros cámones que aterraram no parque de campismo que destruiu para sempre a “minha” praia algarvia. Todos sabíamos que pernoitavam no dito parque, porque as peúgas brancas que traziam calçadas estavam pintadas da cor de ferrugem, exactamente aquele castanho avermelhado das “estradas” de terra desses malditos parques.

E uma questão que nunca consegui resolver passa exactamente por isto: porque carga de água se usam peúgas com sandálias, especificamente aquelas todas abertas e sem frente? Sempre pensei que as aberturas servissem para arejar os pés, mas isso deixa de fazer sentido com a utilização de meias... é ou não é?
Só por causa disto, e porque é impossível usar meias, estou disposto a oferecer às chanatas mais uma hipótese. É que do mal o menos... mas, por favor, não pintem as unhas lá de baixo.

terça-feira, 21 de junho de 2011

A arte da pendura no penduranço



Estamos pendurados!

Aliás, sempre nos pendurámos em alguém ou a qualquer coisa, desde os famosos tempos das descobertas aos dinheiros avançados por supra-entidades. Continuamos a ser mestres nesta acção embora, a cada ano que passa, menos optimistas de que no futuro encontremos outros ramos ou alturas.

O penduranço faz parte do modus vivendi lusitano. São os clientes que deixam o pagamento pendurado, os artífices que largam o trabalho a meio, os desencontros, a bateria do carro, o médico que folgou precisamente no dia da nossa consulta, o reembolso do IRS, o telemóvel que crashou, o elevador que avariou, e um sem fim de pequenos azares.
E o que fazemos quando ficamos pendurados? Em vez de olharmos em frente e tornear a situação, achamos mais fácil e prático usarmos esse percalço como expediente para pendurar o próximo.

Existem outros tipos de penduranços largamente comentados pela populaça: o jogador de bola que pendura as botas, o aperto de mão que alguém recusou, a miúda da internet que falhou o encontro prometido, a boleia que não se concretizou. Mas nestes casos, os portugueses encontram sempre forma de se justificarem aos que ficam pendurados por uma explicação: coitado, já não tinha pernas; se eu fosse o outro também não o cumprimentava; ahhh, grande fdp; o sacana vai pagar-mas.

Agora que estamos a cair na real, olhamo-nos com semblante carregado, pois sabemos que até os que nos agarravam também vão ficar pendurados pelas próximas e urgentes modificações público-privadas. E agora?

Agora olha, há que mudar de comportamento e começar a trabalhar. A situação ideal seria entregar os beemers, os benz e os audi aos reais donos, locadoras e bancos. Permitirmo-nos baixar a crista e utilizarmos a excelente rede de transportes públicos que algumas cidades oferecem. Comprar ou alugar uma bicicleta ou motociclo. Poupar nas inovações tecnológicas, pois todos temos o telemóvel de 1995 ali encostado que funciona na perfeição. Preferir a marmita às máquinas automáticas, o tasco do Zé com refeição completa a 6,5€ em vez dos 20 que caem no visa, andarmos a pé numa cidade que, já sem carros, ofereceria os passeios aos peões, reservarmos algum dinheiro para eventualidades em vez de fins de semana no solário ou numa estância de Verão. Ele há um sem número de aplicações.

Seria até fácil resolver esta questão da banca rota se todos pensássemos da mesma forma e tomássemos a decisão. Mas ninguém vai dar o primeiro passo pois sabe, de antemão, que os restantes o vão deixar... pendurado.

quinta-feira, 9 de junho de 2011

Dodot dodot...


Tenho conta no Facebook há muito tempo e, como vivi várias vidas, grande parte dos meus “amigos” são mesmo pessoas que conheci ou com quem trabalhei ao longo das décadas. 
Logicamente que, conforme os interesses, vou aceitando ou procurando novos contactos, situação que me tem levado a tirar mais conclusões sobre as redes sociais (visto que estou em várias, do Linkedin ao Star tracker).
Uma delas é o facto de, lá fora no resto do mundo, de África ao Brasil, passando pela Austrália e até mesmo Inglaterra, as pessoas não ligarem ao FB como nós, portugueses que gostamos de ser afamados como o povo que tem mais telemóveis que habitantes.
Os contactos profissionais não cabem neste mundo virtual. As coisas ainda são feitas à antiga, ou seja, através de telefone ou cara-a-cara. Portanto, é enervante esperar por uma resposta vinda por email ou através dos posts sociais. Deste modo, e com a impossibilidade de se viajar para os confins do mundo para tratar de assuntos, há que adquirir aqueles cartões telefónicos que se vendem nas tabacarias e gastá-los até ao último cêntimo. Confesso, é dinheiro bem investido. 
O mundo, afinal, não é tão gadget freak como as Fnacs nos querem transmitir e “impor” com as sucessivas vagas de novidades tecnológicas.
Então o que faz um Presidente da República escolher este meio como o principal para a divulgação de opiniões? Ou as marcas perceberem, tarde e a más horas, que a sua sobrevivência passa pela rede? Ou jornalistas sem poiso debitarem bitaites azedos a todas as horas do dia e da noite? E os inúmeros convites para festas, lançamentos, inaugurações, etc?
Quem lhes liga?
Bom, temos notícias de festas de aniversário que conheceram a adesão de centenas ou milhares de “amigos”, porque o/a aniversariante fez o convite online. Também conhecemos o sucesso mediático que agrupou milhares de jovens, da Síria a Portugal, que se juntaram para protestar contra o imposto.
Ou seja, por um lado, as redes sociais falham na sua comunicação global, mas por outro começam a ser um agregador de vontades. Em que ficamos? Será uma questão geracional? Ou seja, dos 10 aos 30 vive-se esta funcionalidade como complemento de vida e dos 30 aos 60 sabe-se de tudo mas não passa de um agregador de feeds noticiosos e fait-divers?
Confesso que é um bocadinho estranho metade das pessoas não passarem sem elas e a outra metade viver sem elas.
De que lado vocês estão?

quarta-feira, 8 de junho de 2011

Repto de Alarme aos Progenitores




Hoje acompanhei a minha senhora à escola de uma das pirralhas, a fim de discutir uma série de situações que nem o ME soube esclarecer previamente ao telefone.
A presença dos três directores máximos da escola, fez-nos logo perceber que a defesa dos seus interesses iria ser muito lógica e totalmente baseada em verdades que só eles conhecem.
Enfim, mais um esquema público-privado que vai enchendo, e bem, os bolsos de quem foi bem mais matreiro que eu e, logicamente, não tem qualquer dificuldade em assumir-se como mais um chico-esperto que minou, para sempre, este país.

À porta do estabelecimento, quedavam-se várias pitas em alegre cavaqueira, todas de cigarro na mão e nenhum livro, mochila ou material de estudo em seu redor.
Nos cafés defronte, a mesma situação, com a multiplicação de jovens “estudantes”. Curiosamente, no interior do estabelecimento onde decorriam as aulas, vislumbrei um punhado de alunos, mas nem todos na mesma sala. A minha companheira virou-se e mostrou o seu profundo desagrado com tudo, desde a politica educacional, à falta de integridade, honestidade, verdade, competência e honra.

Acalmei-a o mais que pude, expliquei-lhe que, pelo menos, as pirralhas ainda têm progenitores e novos companheiros dos progenitores que tiveram uma educação esmerada e uma escola bastante rigorosa. Isso deve valer para alguma coisa, pensei para os meus botões.
Ela mostrou um ligeiro sorriso de esperança e pediu para irmos para casa.

Chegados, percebemos de longe que o jovem do prédio do lado direito, estava em casa. Como? Muito simples: este puto deve ter uns 18 ou19 anos mas fala e comporta-se de uma forma que eu, e somente eu, penso revelador de um ligeiro atraso. O comportamento social, pois tem dois pais e dois irmãos mais novos, reforça esta minha conclusão, pois é impensável um puto fazer gato/sapato de quem está em casa e, pior para os vizinhos, colocar no máximo (que as rafeiras colunas de computador permitem) a sua música preferida que é, imagine-se, rap. RAP, por amor de deus... E não, ele é de tez muito clara.
O pior não é um puto ouvir aos berros esse sub-género mus... musi... music... enfim, essa construção de beat em loop com uns dizeres gritados em cima. É este puto ouvir a mesma música (em loop mas nunca chegando ao final, pois isso requer paciência e a noção de uma conclusão) até à exaustão. Dele, não será, mas é a de qualquer ser humano que ouve Música.

Pela gritaria que lhe oiço, é este puto que domina toda a família, e que ainda manda vir com os pais porque “tásver, tásver, isso de pintar carros não é pra mim” ou “tásver, tásver, o Benfica próanu ékié”.
Do bairro inteiro, sou o único que, já desesperado, vou à varanda e comporto-me como ele, debitando com a minha garganta e pulmões, algumas verdades que ele, decerto, não entende. Mas pelo menos, roda o botão do volume para a esquerda e de vez em quando, surge um dos progenitores logo atrás a sorrir uma ligeira desculpa. Eu não sorrio de volta, mas olho para a minha companheira e digo-lhe uma verdade, muito importante, que as pirralhas dela, mesmo com algumas parvoíces próprias da adolescência, não conseguem baixar a este nível social e que, graças a elas, o mundo pode ainda ter alguma safa.

Menos enervada, foi ver os emails e deparou-se com mais uma conta do estabelecimento comercial, ops, de ensino, que tínhamos acabado de visitar.
Aí não aguentei, agarrei nas chaves do carro e fiz-me à estrada!

Na minha tresloucada mente só uma questão: “quem é que dos mandantes desta porcaria tem a coragem de me dizer, na cara, que anos atrás gritou aos pais que não sabia pintar carros?”

quarta-feira, 30 de março de 2011

Quando um é sempre seguido por dois... ou vice versa



Confessemos, andamos transtornados com a nossa situação.

Ele é a catástrofe politica, judicial, social e democrática.

Ele é a depressão psíquica geral, a falta de apoio do médico de família, o fecho de inúmeros estabelecimentos de saúde e a reforma antecipada dos senhores doutores.

Ele é a falta de politica de educação, o abandono total do conhecimento, o facilitismo nas notas, nas faltas, nas matérias.

Ele foi a aniquilação das pescas e da agricultura em solo/território português, o abandono da coisa urbana e os homens da luta.

Ele são manifestações de gente rasca que se diz à rasca, acompanhados por quem nunca foi rasca e agora está mesmo enrascado ao ver a vida a andar ainda mais para trás.

Ele são políticos, de todos os quadrantes, que deveriam estar presos mas andam a gastar os restos do erário público.

Ele são as agências de ratice que nos consideram lixo e a chegada (ou já presença silenciosa) do FMI.

Bom.

Não é uma boa situação, mas o fim do mundo ainda não chegou, pois não?

Mas...

Ele é a anunciada tragédia nuclear nipónica e o consequente envenenamento das águas e terras. Adeus maravilhoso sushi...

Ele é uma guerra já quase global, que se iniciou com os interesses “humanitários” no Iraque e Afeganistão que agora eclodem por todo o norte de África, onde os mesmos “salvadores” já iniciaram a sua batalha a favor do povo desprotegido. Há que manter o óleo bem quentinho...

Ele é Lisboa com mais de 40 graus célsius de Junho a Agosto.

Se o fim do mundo ainda não chegou, estamos lá perto...

Se a isto juntarmos as previsões maias em que o estoiro tem data marcada para 21 de Dezembro de 2012 * [sabe-se actualmente que nesta data durante o solestício a Terra estará alinhada com o Sol e com o centro da nossa galáxia, Via Láctea. Sabe-se que no centro da Galáxia existe um buraco negro supermassivo], às previsões do i-Ching *[um livro Chinês sobre concepções do mundo e filosofias de vida, que contém algumas previsões se utilizarmos a teoria “Time Wave Zero”. Usando esta técnica vê-se que o livro Chinês prevê que o mundo irá acabar a 21 de Dezembro de 2012], e ainda às profecias do mago Merlin, Einstein, Sibyl e Delphi, tudo aponta num só sentido e uma data precisa.

... bom... dá para assustar um bocadinho.

O que fazer?

O que vocês vão fazer, não sei. Eu já decidi: vou tentar viver a vida o melhor possível, rodeado por amor e carinho, relativizando os grandes dramas e, acima de tudo, pirando-me daqui e encontrar um buraquinho porreiro e com uma boa vista.
Estou na dúvida em relação ao sushi, isso estou. Vou morrer de saudades. Daqui até Dezembro de 2012 ainda é muito tempo sem ter acesso à iguaria que mais aprecio.

* dados retirados do site “ciência hoje”

sexta-feira, 18 de março de 2011

Há que ter calma ao dar o corpo e a alma



Numa altura em que se fala muito de Skin Parties, nas quais e ao que parece, a malta mais nova não se coíbe de fazer figuras que roçam a pornografia, os tempos são realmente de mudança drástica que rasgam transversalmente o anonimato.

Não o anonimato total e enclausurado, mas o normal, aquele que se fecha dentro da nossa casa, conversas, sonhos, palavras, enfim, da tal vida íntima.
Muitos de nós, quase todos, gostamos dos nossos segredos, mesmo tendo uma conta no facebook onde publicamos algumas fotografias e desabafos. Mas daí a mostrar TUDO, há uma grande diferença. E, pelo que parece, a fronteira já não existe para a geração que ainda nem atingiu a maioridade.

Longe de mim vir para aqui criticar miúdos que deviam estar a dormir em casa em vez de mostrar e roçar o corpo até às seis da manhã. Longe de mim sequer tentar conversar com eles e explicar-lhes a noção de urgência, tempo e paciência.

Ainda bem que nasci quando nasci e que tenho a idade presente. Sim, muitas vezes olho para trás e para a frente e sei, de antemão, que já devo ter vivido mais do que irei sobreviver e, mais importante, com muito mais saúde. Mas tive a sorte de ultrapassar a adolescência com tempo, esse mesmo tempo que hoje é consumido com uma tal fúria que, tenho a certeza, vai-lhes fazer muita falta quando, ao chegarem à idade que tenho hoje, olharem para trás e perceberem que fizeram merda.

O facebook e os telemóveis, entre outros, são armas poderosas que se podem voltar contra quem os utiliza. A fotografia ou o vídeo que se colocam online garantem a vergonha social e global de quem foi “apanhado”. A questão da cultura do corpo é tão demente que quase todos os telemóveis dos adolescentes contêm imagens que poderiam ser aceites nas revistas softcore... ou mesmo hardcore. O problema é que estes apetrechos são alvo de cobiça, roubo físico ou digital. E o anonimato, que garante a nossa privacidade, tão importante na nossa existência, está ameaçado de total aniquilação.

Escrevi tudo isto porque me lembro bem das máquinas fotográficas com rolos de 35mm e da angústia que sofríamos até ter nas mãos o filme revelado. Ninguém sabia, nem mesmo quem tirava o boneco, qual seria o resultado e isso era... bom.
Hoje olha-se logo o ecrã, apaga-se ou tira-se outra e ainda se edita dentro ou fora da maquineta. O que ganhámos não compensa o que perdemos.

O mesmo com o telefone. Hoje recusamos ou fingimos não estar disponíveis quando olhamos o número que nos contacta, alguns já com fotografia e tudo. Antigamente tínhamos um telefone preto, sem memória, sem atendedor, sem nada de nada, a não ser a certeza que alguém que conhecia o nosso número nos queria falar. E atendíamos, pois era de bom tom fazê-lo.

Não me venham dizer que sou antiquado, mais a mais porque utilizo o último grito tecnológico em quase tudo.
Só que gosto de manter privado o que só a mim diz respeito.
E acho que o preço a pagar vai ser demasiado elevado.

sexta-feira, 18 de fevereiro de 2011

Dar e baralhar a outra face



Qual é a primeira coisa que nos ocorre quando nos lembramos de um amigo?
Do seu rosto! É ou não é? Só depois vêm o nome, as memórias, as conversas, as aventuras, o estado social, a família dele, o que faz, por onde anda e etc.

O rosto de uma pessoa, ou face (ou cara), é o primeiro dado que memorizamos de alguém. Será devido à memoria visual, o “olho” da nossa mente que cataloga cada experiência visual, que nos lembramos dos rostos das pessoas quando muitas vezes esquecemos o nome das próprias?

A face é, assim, o elemento mais importante para a designação de alguém, logo seguida pelo corpo e pela forma de vestir. Nela encontramos os olhos (que podem ou não ser o espelho da alma), a boca (para a qual olhamos com sentimentos dúbios, que podem ir do prazer de um sorriso encantatório ao interesse pelas palavras proferidas), as rugas, os sinais, a forma e muitos etc..

São, acima de tudo, sinais exteriores. E são estes, quer queiramos quer não, que nos impelem a desejar conhecer certa pessoa em detrimento de outra. A questão da beleza e riqueza interior nunca se coloca num primeiro olhar.

Foi assim que o Mark (com ou sem os associados) concebeu o Facebook: um livro digital de rostos!
No Facebook, valemos pela foto que disponibilizamos no perfil. Podemos escolher outro tipo de imagens, mas terá de ter um teor pessoal, mesmo que seja um herói de banda desenhada, um automóvel, uma figura que admiramos.

O Facebook é, deste modo, um agregador de rostos que nos saciam os sentidos imediatos, logicamente sem contar com os amigos chegados e conhecidos da vida. Os novos contactos dão-se porque se gosta daquela face, dos olhos, do sorriso, do cabelo. É uma espécie de lista telefónica de possibilidades sem limites, mesmo escondidas sob pedidos de “amizade”, quando só se procura o próximo alvo, muito facilitado porque o mundo é um “ó” onde temos sempre um amigo que é amigo desse rosto que queremos conhecer.

Os jovens ainda não entenderam bem como tudo isto funciona e colocam sem pudor variadíssimas fotos de férias, borgas, festas, convívios. Dão, deste modo, todas as informações sobre o seu rosto, corpo, locais de férias, bairros preferidos para as saídas nocturnas, etc.
É só fisgar um e seguir todos os seus passos para, inevitavelmente, chegarmos ao contacto físico.
Há que entender isto, por muito que custe... e tentar aconselhá-los.

Chegamos à conclusão que o Facebook é um embuste, pouco servindo os interesses reais da maior parte dos utilizadores, encurralando-os numa espécie de vertigem social a que é necessário pertencer e, acima de tudo, estar bem vivo e com saúde sob a forma de postagem diária.

O que o Mark deveria ter feito, era um Friendbook. Mas como, se sabemos que o rapaz é um cromo que conhecia o insucesso social, um geek que não fazia parte do grupo dos populares, um freak que acredita que usar chinelos é cool?

Ele nunca pensou na verdadeira amizade, mas sim no voyeurismo puro e duro.

Nada tenho contra o Facebook, pois utilizo-o de formas “normais”: o de realmente contactar amigos que vivem muito longe ou mesmo aqui ao lado, o de reencontrar pessoas há muito desaparecidas da minha vida e promover algumas coisas que faço, profissionais ou autorais.

Portanto, utilizo-o bem mais como Friendbook do que Facebook.   
E isso dá-me alguma paz de espírito, quando habito o terceiro país mais populoso do mundo... e em franco crescimento.

Imaginem um mundo friendbookiano onde, para além dos “likes”, “comments” e “shares”, existissem botões tipo “I miss you”, “Dinner tonight? Bring the gang” ou um simples “see you later”.

‘Bora fazer um como deve ser?

quarta-feira, 16 de fevereiro de 2011

De par em par, uma nesga escancarada


 
Existe um tema que provoca acesa discussão entre amigos quando é abordado: será que se deve mostrar a casa às visitas ou não?
Tenho-me divertido bastante com as variadíssimas opiniões de todos quantos conheço.

Uns dizem que sim, que é boa educação e coloca o convidado à vontade.
Outros dizem que não, pois ninguém deve ter acesso à parte não social.
Uns dizem que é de bom tom.
Outros dizem que parece que estamos a vender o imóvel com o recheio.
E assim por diante.

O que é engraçado é que todos têm uma opinião, mas por vezes a posição difere na prática. Muitos dos que não gostam de mostrar a casa, têm de fazê-lo quando o conviva exclama “ai, mas que linda, onde são os quartos” e etc. Outros que até gostam de mostrá-la, ficam pendurados na fronteira entre a parte social e a privada, observando quem chega a instalar-se rapidamente nos sofás.

Depois de fazer uma muito breve pesquisa na internet, não cheguei a conclusões. Ao que parece é de bom tom, com pode não sê-lo. É agradável para a visita saber o que e onde pisa, como pode ficar acabrunhada pelo show off do anfitrião. É claro há excepções, como quando se faz umas obras valentes ou se compra aquele móvel que se deseja mostrar a toda a gente. São situações pontuais por que todos passamos.

Vai daí, olhei para mim e pensei no que faço.
Pensei, pensei e, de repente, dei por mim a mostrar a casa a algumas pessoas e a evitar fazê-lo a outras.
Como não tenho o costume de convidar indivíduos que não prezo (embora alguns demonstrassem falta de carácter após uns tempos), estranhei esta selecção.
Pensei, pensei e, de repente, cheguei a uma conclusão: não sou eu que mostro ou deixo de mostrar, são os convidados que demonstram interesse ou falta dele.

E fez-se luz.

Na verdade, o português gosta de mostrar a casa a quem convida. Gosta de falar daqueles livros que tem na estante, ou do quadro que herdou da avó. Gosta de mostrar a LedTV que custou uma “pechincha” em saldo no hipermercado, como o Magalhães que comprou para o puto mais novo.
Em tudo o que mostra tem, muitas vezes, o cuidado de apontar que não está ali nenhuma fortuna. Os pertences ou foram conseguidos com muita sorte e oportunidade, ou oferecidos ou outra coisa qualquer.
Parece que temos vergonha de ter o que temos... mas depois gostamos de mostrar os teres e haveres.

Confesso que gosto de mostrar alguns dos meus tarecos. Tão somente porque gosto tanto deles que tento que outros os apreciem.
E isso pode ser tanta coisa... por exemplo, a 1ª edição que encontrei no alfarrabista e que, atenção, custou poucos euro, o dvd super special edition que mandei vir pela Amazon e que trás outro disco cheio de extras, mas que ficou pelo preço do normal cá nas fnacs, o móvel das gavetinhas que é lindo e que consegui por excelente preço devido à mudança de casa de um amigo, etc., etc.

Muitos amigos aponta-me o defeito, talvez porque estão fartos de ouvir as explicações sobre a origem dos elementos, e meio a sério, meio a brincar, gritam “olha, não te esqueças de mostrar a despensa e a casota do animal lá na varanda”.

Todos rimos, mas não deixa de ser uma boa questão... pode-se mostrar uma parte da casa e a outra não? É de bom ou mau tom? É educado ou indelicado?
Em que ficamos?

Uma coisa é certa: é um comportamento lusitano! Ou português, pois os brasileiros fazem o mesmo e têm as mesmas dúvidas.
O que pensará um cámone quando lhe abrimos as portas?

Pior... o que pensaremos nós deles se ficarmos fechados na sala de refeições apenas com acesso ao lavabo social?

segunda-feira, 14 de fevereiro de 2011

Valentim foi um valente que disse um sim



Corações ao alto, hoje é dia dos namorados!

Para uns é apenas o dia (aliás, algumas horas após o emprego) em que podem voltar a ser aquilo por que a cara metade se apaixonou em tempos idos.

Para outros, eternos românticos, é uma data ansiada para a qual prepararam um programita (após o emprego) que se inicia com um jantar num restaurante mais especial que o normal, seguido por uma oferenda que se traduz, em 90% dos casos, por um perfume, uma rosa ou um ramalhete delas, um leitor mp3 e, para finalizar, um chocolate final na almofada do leito para aquecer o ambiente, entretanto esfriado com o passar do tempo.

Depois há aqueles que podem ou não dar importância à data mas que estão sem cheta no bolso para alegrar a cara metade.
A estes vou dedicar mais atenção, pois são os que realmente se preocupam.
Preocupam-se com muita coisa, desde o não ter hipótese de comprar uma prenda, passando pela vergonha de não ter hipótese de comprar uma prenda, até à apresentação de desculpas por não ter hipótese de comprar essa mesma prenda.

Este grupo subdivide-se em dois. Os que, tão preocupados, se fecham a sete chaves no seu coração, podendo até mesmo desaparecer durante esse dia para percorrer a pé alguns km na vã busca pela resposta aos problemas, e os que, mesmo preocupados, inventam formas de poder, ainda assim, oferecer alguma coisa à sua paixão.

Estes são, quanto a mim, os verdadeiros românticos e eternos apaixonados por quem escolheram. E, bastas vezes, têm a fortuna de serem amados de volta. Não é extraordinário, perguntará o mais à vontade na crise, que esses pobres coitados conheçam o amor que ele, cheio de crédito, não vive? Pois a vida é mesmo assim e o amor não se paga. Pode comprar-se um bocadinho dele, mas nunca uma metade ou a peça inteira.

O amor de um namorado - e repare-se que mesmo uma pessoa casada pode continuar a ser namoradeira - não tem preço. Nem etiqueta. Nem promoções ou descontos em talão. Nem vai em cantigas. Nunca estará em saldo e nunca se fabricará na China. É mesmo “gostar de”, com todas as frases que surgiam nos cromos da colecção “o amor é” e que os petizes desdenhavam nesses tempos antigos... até se apaixonarem por alguém.

Uma prenda oferecida por este subgrupo é sempre fantástica e adorada por quem a recebe. Pode ser quase tudo, desde um raminho de salsa que será metido no tacho com a refeição preparada em surpresa, como um molho de flores selvagens apanhadas no caminho para casa, um livro que está na prateleira e que é o preferido mas que agora passa de mãos, um passeio mesmo à chuva só porque é raro o fazerem a pé, um daqueles pertences que temos esquecidos mas que sabemos perfeitos para a ocasião, uma carta de verdadeiras intenções escrita com cuidado para se perceber a letra, um poema, uma canção, uma promessa, um brinde a tempos melhores mas na mesma companhia, tanta, tanta coisa.
A lista pode ser infindável.

E quem diz que o dia dos namorados é todos os dias, esqueça. Isso é o mesmo que afirmar que o natal é quando um homem quer ou que a galinha da vizinha é melhor que a minha.
Todos sabemos que é assim, mas ter uma data específica para o celebrar não é, de todo, mau.

Apenas nos reforça o sentimento de todos os dias mas que, por diversos motivos, o vamos esquecendo e tapando com as vicissitudes que a vida impõe.

Portanto, hoje é (mais um) dia para aconchegarmos quem está ao nosso lado, dar um abraço apertado e sentido, olhar nos olhos e relembrar os porquês da escolha e sentirmo-nos felizes por ter alguém que nos ature.

Nem que seja em americano e com balões em forma de coração.

quarta-feira, 9 de fevereiro de 2011

Perde-se tempo precioso a cada minuto que passa



Se ontem havia tempo de sobra, hoje há falta de tempo.
O que mudou neste entretempo?
A resposta é muito simples: a tecnologia.
Pois é. Pura e simplesmente a tecnologia.
Vamos a contas.

Sou um garoto nascido mesmo na metade dos anos sessenta. Sendo assim, ultrapassei como pude a década mais horripilante de todas, essa tal dos 70, em que toda a gente se vestia de forma a não conseguir parceiro sexual, cuja revolução aconteceu somente devido a excessos e a experiências com substâncias não muito católicas.

Lembro-me, porém, mesmo vestido e calçado pela minha mãe, com boca de sino a tapar as botas de pele de carneiro e camisas cintadas cujo colarinho chegava à costura da manga, que tinha amigos. Amigos no masculino. Isso das miúdas era para outras idades.
Passava a manhã na escola, chegava a casa para almoçar e fazer os TPC. Depois, bom, depois tinha tempo livre para fazer o que bem entendesse, desde que não saísse dos domínios da avenida. Tive a sorte de nascer e viver num bairro com jardins, o que permitiu muita subida às árvores, muita futebolada, muita apanhada e toca-e-foge, muito berlinde, muita queda das bicicletas e dos skates, e muito ténis-de-parede.

Com os meus inúmeros amigos, sobrevivia a este ritmo fisicamente esforçado. E, no final das tardes, ainda tinha tempo para ler um qualquer livro da Blyton, do Verne ou do Doyle, passando pelo Graton, Goscinny, Hergé e Disney, entre tantos outros.
Pedi ao meu pai que comprasse aqueles livros de “cultura”, pesados e cheios de bonecada, que o Circulo dos Leitores vendia, para além de colecções sobre as guerras mundiais, os clássicos da literatura, e tanta outra descoberta.

Num repente, um dos vizinhos tocou a todas as portas e pediu-nos para ir lá a casa. Deparámo-nos com uma coisa esquisita, com um teclado de borracha, e uns cabos que se ligavam ao televisor. Essa máquina do demo encantou-nos e retirou-nos da rua, o que naquela altura não era sinónimo de perdição.
As horas seguintes foram passadas em grupo com a maquineta. As primeiras discussões também, pois todos nós queríamos chegar à nossa vez para não mais a largar. E os pais perceberam que tinham de desembolsar uma quantia avultada para dar ao respectivo petiz histérico essa tal coisa chamada Spectrum.

Eu não tive um Spectrum. Portanto, descobri as miúdas uns anos mais cedo. E segui essa felicidade e facilidade por não ter concorrência, pois ninguém saía dos quartos.

Passado pouco tempo, tive o meu primeiro computador, um bicho a que chamaram Commodore Amiga. Imaginem o gozado que fui por ter uma “amiga” lá em casa... Esse maquinão ajudou-me a encaminhar a vida. Com ele descobri programas que editavam vídeo e áudio. Com ele descobri que se podia controlar sintetizadores e fazer música. Fora os magníficos jogos, que me afastaram dessa vida horripilante ao ar livre e em constante esforço físico com consequências nefastas para o corpo humano.

Comecei a ter falta de tempo.

Principalmente quando comprei o primeiro Macintosh. Depois o primeiro PC. Depois o primeiro telemóvel e depois o primeiro portátil.

Num repente, deixei de ver os amigos de sempre e passei a ter outros. Cada qual com a sua máquina de eleição e poucos com telemóvel e carro. Já tínhamos mais de 20 anos e, pasme-se, íamos de transportes públicos para todo o lado. O horror...

O dia passava entre o estudo, as máquinas, os projectos, alguns trabalhos para ganhar dinheiro, as matinés e as noites, ora no cinema, ora no Bairro Alto entretanto a acordar das leitarias e das velhas prostitutas de rua.

Não havia tempo para mais nada.
Mas as horas eram preenchidas com grandes tertúlias, vontade de mudar o mundo, chegar mais longe que os restantes, fazer empresas próprias, viajar, discutir, aprender, sonhar e sorrir.

Não havia tempo porque já éramos dominados pela tecnologia, que nos permitia ser designers gráficos, realizadores, músicos, cientistas, e tanta coisa.
Mas fomos felizes, não fomos?

Hoje seria de supor que a malta mais nova, que já nasceu com um telemóvel no berço e um laptop no colo, os usassem para chegar mais longe que nós, que facilitassem o seu dia a dia, que abusassem do conhecimento global à distância de um click, que não tivessem de perder tempo a tentar aprender a mexer com cada máquina nova que surgisse com o seu diferente modus operandi e linguagem operativa.

Mas não. Clicam fervorosamente e durante 20 horas/dia, mensagens mal escritas. Deixaram de ler, portanto não sabem escrever. Como teclam nas redes, não conversam. O discurso é inexistente e os erros evidentes. O desinteresse por tudo e todos é real, enquanto o próprio umbigo se tornou no centro das atenções.

Claro que há excepções, claro que há malta extraordinária.
Mas são muito poucos e, decididamente, aqueles que ouviram os mais velhos.

Nós?
Nós estamos cansados.
Ainda continuamos na labuta do conhecimento, ainda temos amigos...
Mas sabemos bem que o que mais gostaríamos era que o tempo voltasse para trás.

Nem que fosse por pouco tempo.

quarta-feira, 2 de fevereiro de 2011

O lugarzinho a que chamamos casa



Começo por afirmar que estou farto de dizer mal do meu país, de opinar com criticas sociais, económico-políticas, contra as manias das gentes e dos costumes, passando pela falta de educação cívica e demais. Chega!
Hoje vou dizer bem deste meu lugar, tão favoravelmente bafejado pela latitude e longitude e que contém todo o mundo dentro de um tão pequeno rectângulo.

Este meu país apresenta um esplendor natural que não tem paralelo, desde o Minho ao Algarve, passando por paraísos como o Gerês, a Estrela, o Alentejo, sem retratar as maravilhosas ilhas.
Num mesmo dia podemos esquiar abaixo de zero como tomar banho de mar acima de 20 graus. Podemos saborear um queijo da serra como um peixe acabado de pescar. Por muito que a CEE nos tire o sal do pão, não conseguem tirar o sabor do alentejano ou do de Mafra. Por muito que a Asae feche estabelecimentos, continuamos a cozinhar com utensílios de madeira.  

Temos mais formas de saborear bacalhau que dias num ano. Gostamos de boa mesa e boa pinga. E porque não? Temos a melhor das mesas e pinga da boa.
Num mesmo restaurante, podemos escolher de entre uma vintena de opções, todas excelentes, que depois serão terminadas com um doce conventual, arte só nossa e sem adversário celestial.

Vivemos num pais católico mas que abre a porta a todos os que o não são. Gostamos de brindar com estrangeiros, mostrar do que somos feitos, oferecer até o que não temos.
Gostamos de afirmar a nossa História, feitos e aventuras. Somos poetas, vaidosos e teimosos. Cantamos a saudade e tentamos explicá-la com guitarras e xailes negros. Até damos nomes de ícones a lontras, de cientistas a ruas, de santos a freguesias.

Somos antigos e modernos. Temos casas de xisto e start-ups mundialmente reconhecidas. Somos inventores e desenrascados. Somos chico-espertos, mas ajudamos quem nos está próximo. Gostamos do mundo inteiro e levamos sempre uma bandeira e um hino. Há sempre um português lá fora, mas que conta os dias para regressar a casa.

Somos criativos, engenhocas, gestores e poliglotas. Somos inteligentes, eficazes, obstinados. Se em tempos idos conquistámos por mar, nos tempos vindouros conquistaremos por fibra óptica, turbinas eólicas, eficácia nas grandes obras de engenharia, na aposta de materiais únicos e só nossos, na descoberta da cura para o cancro, na sustentabilidade, transformação e inovação.

Não conhecemos limites porque não levamos a sério os físicos. Nem temos medo do Adamastor. Apostamos e perdemos, reerguemo-nos e conquistamos. Fazemos muito com pouco e inventamos o que precisamos. Gostamos de estrelas, tanto do mar como cadentes. Gostamos de festas populares, de sardinha no pão, de tremoços e mines, de futebol e carros de corrida.

Por muito que nos queixemos, não choramos, nem gritamos e não brincamos às guerras. Antes, sofremos em silêncio, esperando sempre por amanhã, porque vai ser um novo dia e uma nova esperança.

E quando nos fartamos disto tudo, escrevemos um poema, cantamos um fado ou colocamos uma flor num cano de uma espingarda.

Somos assim.
Não há nada a fazer.
E ainda bem.

segunda-feira, 31 de janeiro de 2011

Miscível não é a mesma coisa que misturável



Cada vez que vou a um restaurante, sou obrigado a avisar o empregado que não quero arroz com batata frita e também não quero cenoura ralada na salada mista. E isto acontece na maioria dos estabelecimentos comerciais.

Ó faxavor,  só quero batata frita! E ó faxavor, não quero cenoura ralada.
Mas quer arroz num pratinho à parte?
Mas que coisa... já lhe disse que só quero batata frita!
E a salada, continua a ser mista?
Mas concerteza! Só não quero a cenoura ralada, o resto pode vir tudo!

É complicado não iniciar a refeição com uma indigestão. Os cozinheiros, a não ser nos locais topo de gama e por conseguinte proibitivos, apanharam esta mania da cenoura ralada não se sabe bem onde. Mas não entendem que o sabor da cenoura crua nada tem a ver com a cumplicidade da alface, tomate e cebola, banhadas com azeite e vinagre? Cenoura crua com azeite e vinagre? Experimentem comê-la num pratinho à parte, ó faxavor...

O mesmo se passa com a dupla arroz cozido com batata frita. Só pela forma de confecção, como se junta um cozido a um frito? Por outras palavras, mas porquê e para quê? Só se for para encher o prato, tipo enfarta bruto, e os olhos para quem gosta de travessas a abarrotar. E como o arroz ainda é barato...

Algumas misturas até podem ser excelentes, vamos lá pôr ordem na mesa. E também acompanham na perfeição carnes várias bem grelhadas. O rodízio brasileiro é uma dessas excepções, onde o arroz mistura-se no feijão preto cheio de molho e com farofa por cima. As batatas fritas são o complemento, não o acompanhamento. Por exemplo, eu não como batatas fritas neste caso. Contento-me e aprecio a misturada cozida. Nem aqui junto fritos a cozidos, mas sei que sou dos poucos que rejeita a batata e a banana. Não sei, não combinam comigo. Mas ele há gostos para tudo.

Com a actual crise, é natural que comecemos a comer menos carne e peixe e nos sintamos obrigados a fazer uma alimentação mais cuidada, tipo vegetariana, em que as gramíneas, leguminosas e hortícolas terão grande destaque. Mas já foram a algum restaurante vegan? Não é estranho olhar para os habitués e reparar no seu ar escanzelado e esverdeado ou até acastanhado?
O problema é que são muito capazes de misturar alimentos, como o arroz a lentilhas, feijão frade a grão, que acompanham aquelas coisas sem cheiro e sabor, tipo seitan e tofu. Não é o mesmo problema? Misturar duas opções que deveriam ser apreciadas pelas suas únicas e diferentes características?

Imaginem uma refeição com feijão frade, ovo cozido e uma lata de atum. Não é bom? E não faz bem? Não é equilibrado e de uma saborosa simplicidade? Então porque misturar-lhe lentilhas, tofu ou algas?

Nada tenho contra a comida vegetariana (o mesmo não posso dizer da macrobiótica). Aliás, e confesso, de vez em quando até sabe muito bem. Mas escolhe-lha como alimentação principal, em que todos os dias vou ter que me virar para o empregado e pedir que retire coisas ou separe outras?
Não me parece.
Quando esse dia chegar (com o FMI ou qualquer outra palhaçada), até eu chorarei ao relembrar os pratos cheios de arroz e batata frita.

Mas, por favor, esqueçam lá a cenoura ralada...

segunda-feira, 24 de janeiro de 2011

Um burro sabe sempre o caminho para casa



Em tempos de crise, há que dar ideias aos mandantes para conseguirem tornear e resolver o problema.
Muito se tem falado sobre o custo de vida, os impostos agravados, o aumento do IVA, o final dos abates das carripanas, os atrasos de pagamentos a quem de direito, mas nunca li ou ouvi soluções sérias e adequadas.

Presto-me, então, e aqui neste espacito aberto ao mundo, a oferecer, de bom grado, pequenos conselhos de fácil implementação. Logicamente que são impostos, mais impostos, mas vamos dar-lhe outro nome para que o povo, sempre ordeiro, os olhe esperançosamente como um passo sério para a resolução dos seus males. E podemos até dizer-lhe que, desta vez, não lhe vamos ao bolso... o que até é verdade. Enfim, mais ou menos.

Ora vejamos:

1.     Imposto sobre... aham... Taxa Temporária sobre a Felicidade: 
A partir de 1 Fevereiro de 2011, será proibida qualquer manifestação de felicidade, desde sentimento particular a demonstração geral. No caso de acontecer, o prevaricador será multado e obrigado a pagar 100€ por cada grau de felicidade, de 0  a 10, tabela a ser produzida pelo futuro Ministério de Seriedade Social (MSS).

2.     Taxa Temporária sobre Sonhos:
Sonhar não é produtivo. Antes, desenvolve sentimentos antagónicos à realidade, provocando em quem sonha necessidades de procurar outro destino para a sua existência, situação desfavorável para a ordem social. Uma sobretaxa será aplicada aos sonhos eróticos. Contudo, quem tiver pesadelos poderá preencher o formulário adequado e pedir o adiamento do pagamento da multa, que entrará em vigor a partir de 25 de Abril de 2011, paralelamente à abertura do novo Instituto para o Regulamento de Vidas Equidistantes.

3.     Taxa Temporária sobre Boa Disposição:
Um povo tristonho e infeliz, é um povo trabalhador que aceita ordens e constantes entraves ao seu progresso individual e social. É imperativo continuar esta politica para evitar sérios atropelamentos ao desenvolvimento dos filiados dos partidos que ocupam o poder. Está prevista a constituição do Instituto 1984, subsidiário directo do MSS, e que terá a finalidade de marcar digitalmente o pescoço de cada contribuinte com um sofisticado chip que conterá a informação pessoal, desde dados genéticos e actividade profissional, aos momentos de relaxe e diversão. As coimas serão activadas a partir de dois momentos sorridentes.

4.     Taxa Temporária sobre a Fé:
Será totalmente proibido ter fé num futuro melhor. Serão também abolidas expressões como “luz ao fundo do túnel”, “pior do que está é impossível” e “amanhã é um novo dia”. Uma sobretaxa será aplicada à Fézada, uma situação anormal e aleatória, que concede algum alivio individual e alimenta quem está próximo. Jogos de azar serão obrigatórios e nestes serão incluídos os da Santa Casa. Os prémios ficarão na posse estatal, sendo paga uma renda mensal ao vencedor no valor de 1/1000 da quantia total. O futuro Ministério Contra o Abuso do Dinheiro Caído do Céu (MCADCC) terá um papel influente na Igreja, concedendo-lhe algum espaço de manobra, mas orientado e fundamentado pelo novo Tratado Anti-Esperança.

5.     Taxa Temporária contra a Simpatia:
Um povo simpático é um povo de bem com a vida, com alivio monetário e com serviços sociais funcionais. Este sentimento é nefasto à indústria pesada e pode travar o desenvolvimento do país e das exportações. Em época de crise, não existe lugar para filantropias. O estado de espírito tem de ser controlado afim de evitar relacionamentos cordiais e ajudas individuais. O futuro Instituto pela Gravidade de Porte, estará totalmente dependente do MSS, e actuará directamente sobre os casos isolados que continuem a defender, entre outras, a Boa Educação e a Responsabilidade Social.

Outras taxas estão a ser pensadas.

Desta forma, os mandantes conseguem criar mais um número indeterminado de institutos e ministérios, para além de todas as empresas constituídas pelos amigos que fornecerão estas entidades de forma directa, o que impulsionará a economia nacional com a criação de inúmeros postos de trabalho, remunerados acima da média, e com possibilidade de integração em grupo de trabalho activo de quatro em quatro anos. A possibilidade de carreira é uma realidade e existem bónus mensais e anuais, dependendo do alcance dos objectivos firmados a cada nova legislatura. 


quinta-feira, 20 de janeiro de 2011

O regresso do desejado será plural



Até que ponto somos garbosos e valentes?
Qual é o limite da nossa coragem?

Vemos, por todo o lado, exemplos extraordinários de bravura aquando uma desgraça, em que alguns colocam o valor da vida de outrem à frente do seu próprio temor e, por vezes, bom senso.
Aplaudimos com vigor essa intrepidez e seguimos em frente.

Sabemos que o ser humano é capaz de superar barreiras, tanto físicas como psicológicas, e olhar para um horizonte de esperança e melhor condição.
Mas ultimamente tem sido mais difícil. Mesmo muito mais difícil.

Há quem lhe chame crise, ou crime, desnorteio, falcatrua, imbecilidade ou mediocridade. Na verdade, estamos pobres, com uma mão à frente e outra atrás. A nossa dívida externa deverá fazer parte, daqui a 50 anos, de um pacote de perdões, porque nunca a iremos pagar. Tal como perdoámos os milhões emprestados a África. Até lá, os actuais mandantes deverão morrer de cirroses provocadas pelos melhores whiskies ou com diabetes alimentados por iguarias diárias.
Mas nunca morrerão de vergonha. Nem de arrependimento. E nem estão para isso, porque, aos poucos, conseguiram uma proeza digna de nota: o tornar cobarde o outrora vigoroso português.

A nossa valentia está doente, a nossa independência idem. Estamos cansados, tristes, indefinidos. Estamos fartos mas sem forças para lutar contra esta sina.
Vamos sobrevivendo, cada dia com menos no bolso, cada hora com mais ataques de pânico e stress acumulado. Olhamos à volta e não vislumbramos a luz ao fundo do túnel, só mais problemas acumulados.

O truque é muito simples: desespera-se o pensante e valoroso, minando-lhe os passos e as vontades. Destrói-se a sua independência, provocando-lhe necessidades a que nunca esteve habituado. E, depois, oferece-se um tachinho ou uma posição em qualquer entidade fabricada para alojar esta gente.
Sem esperança e com dívidas, poucos são os que não aceitam esta esmola.
Os que anuem, sabem que é sol de pouca dura, até outros boys tomarem o lugar destes já mais crescidos. Mas a questão é aguentar o dia a dia e, de certa forma, recuperar alguns vícios sociais. E isso tem muita importância para o português.

Outros há que se mantêm fiéis à sua demanda, recusando o sistema, quer por vergonha própria, quer por educação (também própria) ou mesmo por teimosia (ainda mais própria).
A estes temos de dar os parabéns, mesmo sabendo que não paga contas nem enche o frigorífico. E é com pena que os vemos, aos 30 e 40 anos, a embarcarem num navio com asas e a pirarem-se deste seu cantinho e terra, em busca de qualquer solução séria e honrada.

Diariamente, Portugal vê desaparecer a sua boa casta, um dna que custou a fabricar e que deveria acarinhar e fortalecer. Mas a cada um que se vai, mais poder é garantido aos medíocres que nos enterraram.
É sempre mais fácil mandar em quem tem medo de perder o pouco que ainda tem...

O problema destes tipos mandantes é que se esqueceram, porque são ignorantes e carreiristas, que o português consegue milagres quando apoiado. É sempre dos melhores quando reconhecido. É um exemplo quando o deixam em paz a trabalhar e construir.

Estes que se estão a ir embora, sabem que vão regressar, um dia, à sua terra. Mas sem problemas, com a carteira cheia e uma vontade e dinamismo extraordinários para recomeçar uma guerra.
Pode demorar uma década, ou até mais, mas quando se reunirem na Portela, trocarão abraços guerrilheiros, olhares cúmplices e iniciarão uma revolução necessária e imperativa.

Há os que defendem que será imposta uma ditadura intelectual. Outros industrial. Seja ela qual for, que se apressem.

Até já.

quarta-feira, 19 de janeiro de 2011

Usar sempre a borrachinha e nunca perde-la de vista



Causa-me confusão chegar a uma cozinha e ver o ralo do lava-loiça destapado.
Custa-me saber que os restos da comida, e outras coisas, vão desaparecer por ali abaixo, provocando entupimentos mais ou menos graves que poderão ocasionar rupturas na canalização, com a consequente inundação doméstica e inevitáveis dores de cabeça e gastos extraordinários.

Sempre tive estas manias, adoro tapa-ralos, como gosto de ligar e desligar os interruptores de uma forma lenta e suave.
Tento também poupar água de duas formas: pressionar o botão do autoclismo a meio da descarga, e fechar o chuveiro aquando a ensaboadela corporal.
Também gosto de evitar que todas as lâmpadas estejam acesas em divisões onde não está ninguém e fico chateado quando, depois de avisar, o hábito se mantém.

Estão a ler isto e devem pensar “epá, o rapaz é verde e poupado”. Nada mais falso! Se contarem as luzinhas vermelhas e azuis dos stand by’s na sala, de certeza que ficariam estarrecidos, como eu fico, a pensar nos watts mensais.
Então porque não desligo tudo? Razão simples... dá uma trabalheira reiniciar as maquinetas todas as manhãs.

Isto demonstra que pensamos numas coisas e voltamos costas a outras, tão ou mais importantes. Ao tentar compreender porque sou um chato numas e não em todas, dei por mim a relembrar a educação parental.
Realmente, a minha mãe falou-me do ralo e dos canos, enquanto o meu pai explicou-me o desgaste dos interruptores e das lâmpadas.
Só não mencionaram as luzinhas vermelhas e azuis porque... não existiam.
Por conseguinte, não obtive nenhum conselho sobre as mesmas e a minha casa é o retrato dessa falta de educação.

Dou por mim a ver os jovens a não fechar as torneiras, a despejar tudo para o ralo e a não desligar os apetrechos electrónicos, desde o computador aos telemóveis. Ou seja, nesta demanda pelo reconhecimento profissional, a minha geração esqueceu-se que tinha de educar os petizes nestas coisas mais prosaicas, e agora pagam uma factura mensal... bem alta, já para não falar do desgaste prematuro das maquinetas o que provocará o reforço dos investimentos bem mais cedo que o esperado.

Armando-me em Capitão Verde, tentei explicar no outro dia, enquanto se lavava a loiça, a possibilidade de entupimento da canalização da cozinha, devido a terem retirado o tapa-ralo do seu lugar. A resposta foi simples: “lá estás tu a ser chato! Isso nunca aconteceu a ninguém!”
Quedei-me... uma das coisas que aprendi ao lidar com malta mais nova, é que eles não ouvem. Mas lá recoloquei o dito.
O alarme tocou durante essa mesma noite, quando a avó da petiz telefonou aflita: a água não parava de brotar do seu lava-loiça, tinha a cozinha toda inundada, o seguro estava-se nas tintas e a Epal demorava. Uma desgraça!

Depois de prestada a ajuda possível, olhei de lado para a petiz, enfiada nas sms do seu melhor e mais íntimo amigo, o telemóvel. Ela fingiu que não percebeu que a olhava, mas não aguentou e explodiu: “Eu sei, eu sei! Tens razão!”

Sorri.
No dia seguinte, o tapa-ralo tinha sumido para sempre.
A petiz levou-o para casa da avó e deixou-me... sei lá.... enervado. 
Saltou-me literalmente a tampa.
Uma coisa é ficarmos satisfeitos por ter ensinado algo, outra é sermos prejudicados de uma forma tão vil e sem aviso prévio.

Tenho ali uma data de loiça acumulada...