terça-feira, 22 de dezembro de 2009

cento e vinte e dois

Vivi um encontro imediato do 3º grau, não com aliens, mas com uma familia alien bem tuga constituida por pai, mãe e filha menor. Pai agente da autoridade, mãe não sei bem o quê e filha estudante num ano qualquer. A conversa... mhhh.... antes discussão, iniciou-se com as hostilidades do costume: deus versus a não existência dele próprio, a liberdade de escolha e tal e coiso. Ao argumento do ovo e da galinha eu, confesso e vergasto-me, não soube responder. Tal incúria foi-me logo apontada como o exemplo máximo divino de que tudo foi criado por alguém e que só isso prova que deus existe. Perplexo, pois nunca pensei no big bang como clara e ovo, mantive-me hirto. Por uns momentos, poucos segundos, encostei o chefe de família bastante pensativo: a questão tinha a ver com a possibilidade de Eva ter nascido de Adão o que, a meu ver, faz dela filha dele com costela e tudo. O ADN comprovaria-o se o CSI existisse na altura mas como não vivemos num mundo perfeito ainda reforcei a situação com o facto não muito eclesiástico de que Adão e Eva teriam cometido adultério para povoar o mundo, visto serem os únicos habitantes deste planeta ao universo plantado.
O que fui fazer... impropérios, suores frios, desorientação espacial, tudo vi numa face que virou demoníaca. Isso fez com que lhe apontasse um demo interior o que, confesso, não foi a melhor continuação.
Depressa se passou para os gays e o seu casamento. De nada me serviu dizer-lhe frases feitas como "a minha liberdade acaba onde começa a de outrém" e anormalidades do género. A cada uma que proferia, pensando sempre nos exemplos históricos helénicos e românicos para citar os mais kitch, via crescer um ódio nazi que foi, inclusivé e não estou a brincar, reforçado com a frase "o Hitler é que tinha razão".
Sei que muitos teriam abandonado a questão e o local, mas... raios me partam, adoro (vivo) com uma situação destas, ou seja, a possibilidade de ser forcado à frente de um boi (única hipótese de olhar para uma tourada e pedindo-vos que a leiam como analogia) e chamar o bicho, a sua raiva e a sua... como se diz... investida.
E tal aconteceu!
Não vou repetir o que o homem disse em relação aos gays (a que juntou prostitutas, travestis, chulos e demais) pois até eu fiquei ruborizado. Mas uma coisa vos garanto: em pleno séc XXI e a poucos dias da sua segunda década, é-me complicado entender estas mentes tementes e prostradas a um deus católico e que admitem e proclamam a matança a todos os que não sejam, a seus olhos, normais.
Sem querer maçar-vos com mais pormenores, apenas exponho a última questão. Perguntei-lhe se, caso a sua filha menor sentisse que a sua vida, paixão e amor passasse pela homossexualidade, o que faria ele nessa situação. A resposta foi rápida e directa: "a minha filha??? NUNCA! E ISSO NÃO VAI ACONTECER! NUNCA! ERA O QUE FALTAVA!"


tadicho... falta-lhe bem mais do que um bocadinho assim.

segunda-feira, 21 de dezembro de 2009

cento e vinte e um

Tentei, sem êxito, não me preocupar com prendas natalícias. E por variadíssimas razões. A primeira é o estado sofrível da conta bancária, a segunda o cada vez maior número de participantes, a terceira todo o folclore e carnaval consumista que ataca tudo e todos e a quarta a total falta de paciência para encarar filas de mau humor e correrias desenfreadas para conseguir a última embalagem de um qualquer produto apadrinhado pela tv. Nunca gostei do Natal que é, quanto a mim, uma obrigação. E como não gosto de ser obrigado a fazer o que não quero, fico totalmente confundido nesta quadra, ciente que os meus próximos desejam a minha presença, os meus não próximos desejam votos e os meus mais longínquos choram saudades por sms ou videoposts. Desde há uns anos a esta parte, encaro-o não como um frete com dia e hora marcada, mas com mais suavidade e até algum divertimento. Toda a minha vida foi passada em algumas casas e com famílias que não a minha, pela única razão que lá em casa o meu pai tinha outros afazeres na noite da consoada, como por exemplo, ganhar algum dinheiro extra que servisse para mimar os empregados com mais um reforço. A minha mãe, pouco ou nada religiosa, assumia a noite como mais uma do ano e só durante a manhã e almoço do dia 25 é que se cheiravam os presentes e os... ausentes. Celebrei assim muitos natais infantis e juvenis e, conforme a vida nos ensina, passei depois a frequentar casas de namoradas cujas famílias levavam e levam ao pormenor toda esta tradição. Na verdade, nunca me senti um outsider e é com grato prazer que recebo convites das ex-famílias que me têm em boa conta e me passaram a tratar por primo em vez de futuro-qualquer-coisa.
Mas este ano a situação é ainda mais difícil pois passei a ser outra vez um futuro-qualquer-coisa paralelamente a primo oficial e oficioso, sobrinho, padrinho e quejandos. Como, então, descalçar a bota?
Olhei em redor, pesquisei, wikidipei e finalmente percebi o que tantas botas de pai natal fazem penduradas nas lareiras ou paredes ou portas... são o calçado de muita gente que, tal como eu, não pode sub-dividir-se molecularmente.
De repente dei por mim a tentar comprar botas de pai natal em filas intermináveis de gente com mau humor e numa correria desenfreada até à prateleira do linear que vende estas vestes específicas.
Estou cansado...

sexta-feira, 18 de dezembro de 2009

cento e vinte

Será que se pode considerar toda esta hipocrisia em relação ao casamento gay a nova luta entre os sexos? E a questão da adopção? E o repetitivo histerismo do clero e do seu rebanho? Porque é que as pessoas que não concordam falam e gritam "contra" como se, de facto, estivessem contra? O que é que elas sabem sobre união, amor, paixão, entrega e cumplicidade?

Tenho uma forma de estar na vida muito simples: a minha liberdade termina onde começa a de outrém. Bolas, não é assim tão difícil apreender este principio. Portanto, sou uma pessoa básica e evito entrar em discussões sobre a coisa jurídica que afecta os homosexuais e, pasme-se, os heterosexuais. Mas existe uma questão fracturante em tudo isto. Se formos a ver bem, os não gays e não casados são também olhados de lado. Na verdade, as uniões de facto são um... facto cada vez mais comum na moderna sociedade e não é por isso que têm os mesmos direitos de um casamento civil ou católico. Não o têm e muito menos aos olhos de alguns truques das entidades fiscalizadoras e fiscais.

Então porque não fazer vigílias, manifestações de não-casados-power ou orgulho-unidos-factualmente?
Iamos para a rua, despidos de preconceitos, alugávamos um daqueles camiões que trazem aparelhagem e fazíamos um escarcel medonho na Av. da Liberdade. Paravamos para uma bucha naquele tasco das bifanas defronte à estação de comboios e com o papo cheio entraríamos de rompante na Loja do Cidadão exigindo igualdade de cidadania em relação aos oficialmente casados.

Será que a Igreja exigiria um referendo? Que algumas pessoas tementes a um deus que não é de todos andassem pela rua a pedir assinaturas contra esta terrivel doença? Que a sociedade lusitana se dividisse em duas? Que os GOI surgissem com balas de borracha e canhões de água?

Ora se nós, que escolhemos viver em harmonia com alguém evitando o embuste da assinatura do papelinho, não andamos a fazer figuras a exigir isto e aquilo, porque é que muitos gays o fazem? E reparem, muitos... não todos. Porque é que eles também estão divididos em relação a esta noção?
Porque é que há alguns que levam isto a peito mesmo com o brinde envenenado da adopção e outros há que continuam a sua vidinha, tratando das coisas (heranças, negócios, partilhas) por meio de advogados, e vivem felizes e contentes?

Mas, afinal, qual é a importância de um casamento? A meu ver é apenas meio caminho para o divórcio.
Mas isso sou eu... e a minha opinião vale o que vale.

segunda-feira, 14 de dezembro de 2009

cento e dezanove

Hoje esteve um dia glorioso numa Lisboa que cada vez sinto menos minha. Foi dia claro de céu azul e límpido, mas cujo frio obriga as pessoas a vestirem-se menos mal com sobretudos e cachecóis, luvas e chapéus. Gosto de sentir esta minha cidade, mesmo odiando o frenesim louco das compras natalícias que desesperam quem tenta circular de um lado para o outro.
Reparei que andam mais motociclos nas ruas, facto que se deve à nova lei das 125cc. É bom, finalmente, ver uma lei decente aprovada neste país, um dos últimos dois (com a Holanda) que teimava numa enorme parvoíce.
A poluição é menor, o estacionamento facilitado, poupa-se tempo e stress. Há é que ter mil e um cuidados pois sabemos bem como os automobilistas reagem quando estão parados numa fila. A vontade enorme de ver esse "sacana" que a ultrapassa estatelar-se no chão é coisa de bárbaro, gente manhosa e profundamente infeliz. Mas é isso que somos e não há como evitá-lo.
Mas o que mais me desorienta sobre as duas rodas são as constantes mini-reportagens tv sobre a capital (e resto do país) europeia que juntou os povos para discutir novas políticas para a saúde do planeta. Só se fala e mostram centenas de bicicletas e de ciclovias. Que maravilha... Que bom deve ser andar de bicicleta de um lado para o outro sabendo que se tem prioridade sobre os veículos motorizados. Que gente nobre essa, que se faz ao frio com um gorro e cachecol. Que felizes.
O Sócrates deve ter pensado que fazendo ciclovias em Lisboa iria oferecer esses sentimentos aos olissiponenses e conseguir, mais uma vez, mentir sobre a crise. Esqueceu-se foi de fazer estudos sobre as sete colinas, os buracos e demais problemas que impossibilitam total e drasticamente a utilização desses gentis veículos numa cidade inimiga dos mesmos. É que nem a pé se pode circular...
Mas pronto, lá vamos vendo as tais reportagens tv sobre essa gente maravilhosa e sorridente que pedala sem fim.

Só mais uma coisinha. A minha enteada mais velha está a passar um ano nesse grandioso país de gente de bem com a vida e com o mundo. Sabem o que lhe aconteceu no primeiro dia que lhe deram a bicla para andar de um lado para o outro?
Roubaram-na!

Deve ter sido um tuga. É que só pode. Os dinamarqueses não fazem coisas dessas. São perfeitos...

terça-feira, 1 de dezembro de 2009

cento e quinze

Gosto de ser naif. Adoro ter a liberdade de olhar uma pintura e dizer que gosto ou não gosto sem ser subjugado pelo conhecimento técnico e teórico. O mesmo se aplica aos vinhos: quando bebo um bom, é porque o é! Quero lá saber se é touriga nacional, se vem do Douro, se foi conseguido em cascos de carvalho ou se a cortiça é do Amorim. O mesmo se aplica à comida: tanto aprecio uma boa orelha de porco à coentrada como o mais delicioso bife tártaro. Desde que esteja bom, digesta-se com agrado.

Mas, por outro lado, admiro a originalidade de um Dali, a pujança de um Pollock, o realismo de um Renoir, a abstracção de um Rothko ou a loucura pop de um Basquiat. Prefiro um espectacular Glória (que é exportado na sua quase totalidade) à fama de um Barca Velha. Adoro degustar o que os melhores chefs apresentam, inspeccionando a arte da apresentação e a sua relação com o palato.

Quem sou eu afinal?