quinta-feira, 12 de novembro de 2009

cento e dez

Hoje deu-me uma imensa vontade de desligar o telemóvel. A questão é que foi para sempre. Sim, sou dos tais que dormem com ele on, que o remetem para o silêncio em cinemas e artes várias,  que raras vezes o esquecem num bolso de uma mala ou casaco, dos que ficam atónitos quando não têm rede, dos que barafustam quando o operador falha, dos que procuram as mais recentes novidades de streaming de dados sem pagar quota, que adoram o wifi, que querem sempre o último modelo.
O que ganhei ao longo de todos estes anos em que ainda relembro o primeiro bloco de ferro da Nokia com uma antena ridícula e falsa? O que ganhei ao querer o último modelo porque fazia mais x que y? O que ganho actualmente quando olho o Satio na montra? A quem interessa, sem ser para mim, o facto de conseguir com este novo modelo ver o que tenho no disco rígido da PS3 que está em streaming com o iMac, em qualquer lugar remoto?
Sei que ganho momentos de prazer. Sou um confesso gadgetfreak, adoro tecnologia, todos os seus pequenitos avanços, sinto-me bem quando demonstro e ensino todos os que me rodeiam, gosto de ser considerado como guru destas artes e ciências modernas.
Adoro perder-me nos sub-menus indecifráveis para a maioria, como receber chamadas de gente em pânico porque o computador (pc ou mac) deu raia. Gosto de provar que, afinal, não sou assim tão geek ou tecnofreak, pois também detesto os nerds informáticos e similares.
Ao fim e ao cabo, acho que sou um gajo moderno, sofisticado q.b. e continuamente interessado no próximo passo.
A questão é que no século anterior, pessoas como eu ainda tinham a sua graça e utilidade. Com a passagem do milénio, surgiram novas infra-linguagens pseudo-técnicas que fazem todo um esforço para que não sejam compreendidas por pessoas nascidas antes de 1980 que é o meu caso.
Quanto a essas, no way, nunca me ultrapassarão.
O problema é outro. É  a questão da liberdade, da disponibilidade, do ser e não estar, como do parecer e não querer. Longe vão os tempos em que combinavamos com os compinchas às tantas horas naquele preciso lugar. Não tinhamos carro, nem GPS, nem telemóvel e quem chegava atrasado 15 minutos já sabia o que ia enfrentar. Hoje estamos disponíveis para as desculpas e atrasos dos outros. Ficamos à seca, pois somos do tempo em que a pontualidade era in ao invés de forex. Somos, portanto, gozados.
Ou seja, o nosso telemóvel plimplimplim é a última prisão. Recebe chamadas, mensagens escritas, faladas e imagéticas, recebe emails, tem já um A.GPS incorporado para mostrar onde estamos, é camara foto e videográfica que nos transforma em jornalistas ou paparazis, liga-nos ao Facebook, Twitter, Myspace, Netlog, Plaxo, Netmeeting, HoresOnLine, Continente, análises clínicas, fisco, StarTracker, Amazon, youtube, farmácias, trânsito, banca, pagamentos de serviços, Wikipedia, Fnac, Worten, Vobis, Stick-a-Skin, Cp, Refer, Benfica, Atlético Clube de Alvalade, Supremo tribunal de Justiça, jornais on line, Nasdac, leilões, Remax, Bimby, Torrents, Mundo, sub-mundo, extra-mundo, Scully, MacGyver, blogger, wordpress, podcasts e mais tudo.

O que nos resta então? Qual é o nosso tempo? Como podemos ler livros e escrever os próximos? Como podemos pensar nas soluções para amanhã? Como podemos ouvir música e desejar fazê-la? Como podemos ser unos quando estamos tão unidos?

Eu não pedi para ser irmão de toda a gente ou o tio dos mais pequenos ou o amante dos mais desesperados. Mas caí na própria teia. Tenho saudades de ter tempo e de ser quem fui. Tenho saudades do tempo. Da liberdade. Da individualidade.
Tenho saudades de mim, quando quis mudar o mundo, pois era imortal e tão garboso que levaria a minha nave a conquistar o desconhecido.
Agora...
Bom, agora só penso em desligar para sempre o telemóvel.
Mas sei que vou ferir toda a gente que pensa em mim, que me quer bem e que está habituada a que eu exista. É que hoje em dia, desligar o telemóvel é como desligar a máquina que nos sustenta a respiração e a identidade.
Se o desligar, morro.
Creio nisso.
E ainda sou novo....

10 comentários:

ecila disse...

Penso muitas vezes como é que se vivia antes do telemovel? Sou desse tempo e já nem me lembro, nao sei como se combinavam encontros. Lembro-me ainda de escrever e receber cartas. Cartas! Agora com sorte recebo postais, isto se nao receber uma foto da ponte de Sao Francisco no telemovel a dizer "pensamos em ti :-) ".

Gi disse...

Nunca gostei de telefones. Gosto mesmo pouco de telemóveis. Raramente o meu toco e raramente ligo a alguém.
Ele só serve para emergências ... mesmo.

maria teresa disse...

Nem sonha como gostei deste seu texto, não que tenha saudades mórbidas dos meus tempos de jovem, mas sim porque penso que éramos mais seguros de nós próprios, menos desconfiados, mais educados, com mais momentos de felicidade, ...por vezes até me interrogo se não serei eu que fantasio esse tempo passado.
Quando nasci não havia televisão mas lembro-me e muito bem dos pequenos serões após o jantar a ouvirmos todos juntos rádio e a falarmos do modo como tinhamos passado o nosso dia...
Às vazes fico um pouco "saudosa"!

pensamentosametro disse...

Tens sempre a liberdade de atender ou não.


Bjo

Tita

volteface.book disse...

Ecila, é deslumbrante o poder que uma carta ainda têm. Principalmente no nosso moderno tempo.

volteface.book disse...

Gi, quem nos dera.

volteface.book disse...

Maria Teresa, todas as épocas têm pros e contras. Mas nós temos a enorme vantagem de ter nascido e vivido outros tempos e agora sobreviver neste.

volteface.book disse...

Tita... poispois.

pensamentosametro disse...

E a enorme vantagem das redes redis e dos telemóveis? Sabes sempre antecipadamente se queres ou não atender. Cinservo sempre religiosamente guardados e identicados os números que não quero de todo atender.


Bjos




Tita

volteface.book disse...

Tita, é a única coisa boa.