sexta-feira, 30 de outubro de 2009

cento e três

Ser corrupto, ladrão e/ou criminoso não é para todos. Sempre pensei que essas artes eram exclusivas de pessoas que não têm nada a dever a ninguém e estão longe dessa figura ominipresente e potente que é a... mãe. Ou seja, se quisesse ser amigo do que me é alheio e enriquecer de forma rápida e vertiginosa só me restaria uma possibilidade que era saír daqui e ir para uma terra grande e distante. Imaginem se fosse apanhado pela polícia? Como é que diria à minha mãe que, afinal, toda a educação que recebi não tinha servido para uma vida impoluta e digna mas sim para me juntar aos grupos e líderes deste país (ou de tantos outros) para ter uma forte presença social e cargos ao mais alto nível?
Como é que ultrapassaria a vergonha de ver em tribunal todos os familiares que utilizam o meu apelido? E os amigos que me confiaram segredos ao longo dos anos? E o olhar incrédulo de um pai? E os vizinhos? E o fiado que tenho nas mercearias, quiosques e tascos aqui do bairro?
Por tudo isto, e por muito que até saiba alguns truques desse sub-mundo que é o poder aliado à gatunice, não teria coragem para enfrentar tantas lanças olhadas contra mim.
Sofro desse sentimento que se chama vergonha. Na cara, no corpo, na rua, no trabalho, relações e amizades. Nesta altura em que o dinheiro custa cada vez mais a ganhar de uma forma, vá lá e digamos, honesta, seria muito fácil resvalar para caminhos de triangulação empresarial, orçamentos feitos em papel pardo e sem iva, renomear outrém (menor se fosse possível) para os bens móveis e imóveis, apresentar despesas invulgares ao fisco e ter com amigos essa maravilha que é uma off-shore.
Mas não consigo. Por muito que uma vida de ladrão de jóias e arte me fascine, há sempre a possibilidade de ser apanhado e de ter que telefonar à mãe da prisão.
E isso é impensável.

quinta-feira, 29 de outubro de 2009

cento e dois

"Em Roma sê romano", diz-se à boca cheia. Os portugueses sempre se deram bem com este conselho amigo e, daí, o nosso à vontade para recomeçar toda uma vida nas diversas latitudes deste planeta. Ok... em Paris sê concierge, em Joanesburgo merceeiro, em São Paulo padeiro, em Espanha trolha, no Luxemburgo professor e por aí adiante. Portanto é melhor passar a dizer "em Roma sê como os portugueses que já lá estão" e siga a tradição.
E é sobre tradições que me debruço. A constante importação de inglesismos só tem paralelo na cedência das nossas coisas para dar lugar a outras que nunca foram nossas. E, pasme-se, isto não tem a ver com fluxos migratórios que escolhem o nosso país para viver (senão teríamos o carnaval brasileiro ou o KaZantip ucrâniano, para não falar das Festas do Mar angolanas ou as Companhias de São Benedito de Moçambique e etc), mas sim uma questão de marketing puro e duro promovido por marcas ou promotores.
Vejam o ridículo que é dançar desdunada no carnaval de Torres com um frio que se cola à celulite e uma chuva miudinha que atrapalha o sambar. Ou as festas de Saint Patrick, verdes como o nosso verde, mas com roupa e botinhas um bocado larilas e uns chapelitos estranhos, sem falar nessa coisa burlesca denominada gnomos...
O Valentine's Day também enche as montras de coraçõezinhos cor de rosa e vermelhos, dizeres em postais e cartões e anéis que prometem futuros a dois. Depois vem a factura no bolso e no projecto.
Agora é o Halloween. Mas o que é que temos nós a ver com a abóbora, somente indicada para sopa? E mascararmo-nos com vestes assustadoras e esqueletos falsos, pintando a cara como mortos-vivos e andando a pedir de porta em porta um qualquer caramelo ou partida? Mas o que vem a ser isto?
Querem festa? Promovam o que é nosso!
É que somos ricos em festividades, folia e tradições seculares.
Máscaras temos muitas e bem mais catitas que as norte-americanas.
Adoramos os "assaltos" e bater em panelas.
Danças originais desde Miranda ao Algarve.
Santos para todos os gostos e feitios.
Procissões várias que até são salutares.
Gastronomia sem par.
Superstições e lendas dignas de Hollywood.

Opá... e no meio disto tudo esqueci-me: a Oktober Fest está a acabar. Volto já.

sexta-feira, 16 de outubro de 2009

cento e um

Há qualquer coisa de estranho numa coincidência. Sempre olhei para elas com desdém, pois não acredito em bruxas nem nesse folclore que até acho divertido. Mas depois olho o número do post e é inevitável parar para pensar. Prometi a mim próprio não tomar este espaço como memorial, mas... que se dane, porque não?
Vivi 10 longos anos com este ser. Diariamente.
Lembro-me que foi escolhido porque lambeu o dedo enquanto os irmãos mo morderam. Tinha também uma mancha enorme na cabeça que parecia um choné. Foi logo alcunhado de Camões mas depressa passou a Ega e de seguida a Óscar. Óscar Wild, não Wilde. Não interessam as razões da mudança de nomenclatura, mas posso adiantar que teve a ver com a fraca noção cultural de quem se lhe apresentava ao caminho. Ok, não resisto: Ega era nome de menina...
Desde cedo se percebeu que o trôpego era muito inteligente pois fazia as necessidades em cima das enormes A3 do jornal "espesso" que eram sempre distribuidas pelas várias cozinhas ou marquises dos visitados. Nunca fez porcaria fora delas o que denotava uma inclinação precoce para as artes.
Foi autor de um mensário que prefez o seu primeiro ano e viu-se convidado para ser admirado online, numa altura em que pouca gente sabia que existia esse sub-mundo.
Há muito para contar sobre as primeiras aventuras no exterior, as folhas outonais que lhe viravam a atenção, a esquina preferida para o primeiro alívio, as viagens mais longas de carro, veículos que a partir daí passaram de egoístas duas para cinco portas para ele poder ser admirado por quem vinha nos carros atrás.
Fez muitos amigos! O maior de todos, Zorba! Estão juntos neste momento. Depois havia os outros, inclusivé da mesma raça, mas a relação com o grego foi duradoura. Imaginem um jardim em que todos os dias um Dálmata passeava com um Boxer e em que depois se juntavam todas as raças e credos, tamanhos e feitios, donas e donos, amigos e amigas... era um jardim feliz de Lisboa.
O Óscar conheceu ao longo da sua existência três tipos de pessoas:
a) as que o adoraram desde o início.
b) as que detestavam essa coisa denominada cão mas que ficaram rendidas.
c) as que tinham pavor que ele ajudou a ultrapassar.
Também conheceu inúmeras pessoas de quadrantes diversos, desde engenheiros a políticos, arquitectos a fotógrafos, designers e pintores, poetas e desesperados, pais e mães, irmãos e irmãs, filhos e filhas e afilhado/as e enteadas.
Mas de todos, com quem mais (sobre)viveu foram os músicos. Imaginem um ser que tem não sei quantas vezes mais audição que nós levar desde puto com violinos, gaitas de foles, guitarras várias, flautas, caixas de ritmos e programas software que faziam imenso ruído mas que ele também entendia como música... ah valente. Interessante relembrar agora o rol de músicos e artistas tão famosos e inalcansáveis que lhe fizeram tantos afagos no alto da tola...
Também viveu as mulheres que fazem parte de uma vida, sem um queixume, um ciúme, um desentendimento, um desamoro ou desnorteio. Ajudou a amar e foi por isso também amado. Ah, valente!
Ultrapassou sem mágoa os bons e maus ventos de quem o tinha, ajudando à reavaliação e ao reacordar diário, sempre com um mimo, sempre com um primeiro sorriso, sempre com aquela força que só eles conseguem visitar todo os dias. Tão valente!
Tanto afocinhava as malas de quem prometia guloseimas, como oferecia os pertences a quem o visitava.
Tanto era a alegria de todas as casas como a preocupação de todos os seus membros.
Tanta coisa que deu e tanto mimo que recebeu.
Quem não se lembra dos "olhinhos", do fazer-se pequenino para conseguir subir para um colo, de uma cama sempre ao seu dispôr mesmo à revelia do dono, do apetite voraz por queijo flamengo ou pelo silêncio astuto com que enganava o dono enquanto recebia mil e um bocados de comida dados com segredo por baixo da mesa pelos convivas de repasto?
É também indissociável nas aventuras empresarias, sendo mascote de escritórios que foram mudando com o tempo e vida. Era matreiro a escolher clientes como calmo nas discussões criativas mais acesas.
Era, acima de tudo, educado (fora os dias difíceis que lhe surgiam mesmo em frente às narinas) e extremamente asseado. Podia largar pelo duas vezes por ano (seis meses no inverno e seis meses no verão), mas parecia um felino com a paranóia da auto-limpeza.
Muito, mas mesmo muito fica por mencionar.
Nos últimos tempos, foi-se abaixo das canelas, mas sempre garboso e pedante, amuava cada vez que se tentava ajudá-lo a transpôr qualquer obstáculo mais complicado. Não gostava mesmo nada disso mas lá se ia deixando empurrar por mãos amigas, por gente que o amava. Mas amuava. Amuava porque sabia que já estava a ser uma preocupação, um temor, uma tristeza, um daqueles males de que o coração sofre. O coração do dono.
Nestes últimos meses conseguiu proezas dignas de realce: ficou muito amigo de 1/3 de gatos, tirou o medo a quem tinha pavor, fez catpeople olharem para a sua raça como fantástica e ainda foi buscar a bola amarela cada vez que o benfica marcava um golo ou quando a ferrari estava quase a vencer um grande prémio neste ano menos bom.
A bola amarela...
Há três tipos de pessoas que sabem o que é:
a) as que a adoraram desde o início.
b) as que detestavam essa coisa mas que ficaram rendidas.
c) as que tinham pavor mas que ele obrigou a ir buscar... e buscar... e rebuscar.

Um grande ão, amigo.
Que as minhas últimas lágrimas façam parte do rio que tanto gostavas de cheirar.

segunda-feira, 12 de outubro de 2009

cem

Extraordinário como cheguei a este número bonito, mágico e complicado de se gerir.
Tenho gostado muito de escrever este blog e, confesso, nunca pensei chegar a um número tão alto de escritos.
Poderia ser um terminus bonito e elegante... cem. Mais a mais porque coincide com uma tristeza particular profunda (e não tem nada a ver com as legislativas nem autárquicas, embora sinta alguma desconecção com o meu próprio país) que me vai mudar radicalmente o dia a dia e a noção que tenho dele. Pensei por isso em terminar este capítulo, mas por outro lado acho bem mais interessante em jeito de memória e de celebração de vida, continuá-lo com gosto e garra.
Ele há coincidências interessantes nesta vida. Nem que seja através de um bonito e redondo número.

quinta-feira, 8 de outubro de 2009

noventa e nove

Depois de um 98 em que usei demasiado vernáculo, está chegada a hora de voltar a acalmar-me o que até consegui depois de ouvir o debate com todos os candidatos à CML, entre eles gentalha que nem deveria poder votar quanto mais surgir em posters.
Fiquei esclarecido e tomei uma decisão: também eu quero pertencer à Gebalis, Recria, Metro, Carris, Porto Lx, Expo, Casa do Gil e demais associações, institutos ou empresas que ajudam, e muito, a edilidade.
O meu próximo post será o centésimo e coincidirá com o novo presidente que, espero, não seja nenhum dos que se apresentaram.

terça-feira, 6 de outubro de 2009

noventa e oito

Está chegada a hora para escrever aqui, já e agora, o meu manifesto para o futuro presidente da minha cidade (e que é aproveitável para muitas outras). São 10 passos.

Exmo Sr. Presidente da CML,

1. Deixe-se de merdas! Limpe-a da Câmara, pois está lá muita e comece a colocar gente que quer e sabe trabalhar. Limpe as ruas! Limpe as fachadas! Limpe os monumentos! E limpe as barracas que são as constantes barbáries com que brinda esta cidade, seja em más medidas, péssimas medidas e roubos descarados.
2. Deixe-se de merdas! Precisamos de túneis e muitos! Dois que continuem o eixo Olaias/Campo Pequeno. Precisamos de um nesse cruzamento e outro na Praça de Espanha para não ter que se fazer aquela rotunda para saír da cidade. Que ridículo! Outro no Campo Grande/Lumiar. Outro no Largo do Rato. Outro no Cais do Sodré. E etc.
3. Deixe-se de merdas! Precisamos da Baixa Pombalina sem pombos e com pessoas. Invista na cultura que também é o comércio tradicional. Tire já os ministérios da Praça! Mas é já! Faça esplanadas, restaurantes, museus, ateliers de arte, exposições, casas de cultura! E uma merda de um parque de estacionamento, seja em prédios devolutos, seja no que tiver que ser.
4. Santa Apolónia! Uma porta da cidade que é degradante, seja pelos prédios vizinhos, pelos tascos circundantes, pelos sem abrigo, pela sujidade e caos terceiro mundista. Que vergonha.
5. Metro em toda a Lisboa! As obras podem durar 5 ou 10 anos, mas bolas, uma cidade de colinas e buracos e carros no passeio tem que servir quem a pisa. Linha das Colinas para a frente e continuação para ambos os lados da barracada da estação do Cais do Sodré, para Belém inclusivé e até à expo inclusivé.
6. Frente Rio oriental. Mas o que é isto? Vá a Barcelona, Berlim, Londres, Paris, Istambul!!! VIAJE! Veja o que grandes cidades fazem das suas frentes ribeirinhas. Porto de Lisboa? Mas o que é isso? Quem são esses criminosos? Prisão já!
7. Continue a esquecer a parte mais importante de Lisboa que é a Oriental. Deixe caír Xabregas, Madredeus, Beato, Poço do Bispo, Matinha. Toda uma frente que dignificaria uma capital, com mudanças radicais e obras profundas. Toda uma nova cidade à espera de uma qualquer inteligência.
Isso dava dinheiro, muito muito muito dinheiro. Mas o melhor, porque também dá trabalho, é fechar os olhos e andar de Audi com batedores da PSP.
8. Parque Mayer. É para mandar abaixo. Esqueçam essa merda e continuem o Jardim Botânico com espaços lúdicos, para a criançada aprender o que é a natureza e hotéis de charme. Revista à Portuguesa???? Por amor de deus!
9. Feira Popular. Sou contra, mas sei que há muita gente que a deseja. Espaço não falta em Lisboa. Olhem para a parte oriental. Agora fazê-la em Monsanto? Mas está tudo louco?
10. Serviços Sociais! Braga Parques? Prisão! Terrenos do Campo Grande têm que ser para as pessoas que merecem e necessitam de apoio. Todo um parque de apoio social, com habitação assistida para a terceira idade, instalações para grupos de apoio, serviços básicos de caridade, etc. Uma cidade também foi feita pelos seus velhos! Tem que existir para eles!

Deixe-se de merdas e peça-me mais 10 passos, pois eu tenho uns 1000.

Cordialmente!!!

sexta-feira, 2 de outubro de 2009

noventa e sete

Fiquei tão agastado com o 96 que tenho que escrever depressa sobre qualquer outra coisa. Mas ouvir e ver o António Costa a querer fazer o bonito e a estampar-se com a história do terreno do IPO, o Paulo Portas a apanhar um banho na Madeira com os submarinos dentro de água, o Santana Lopes a dançar com todas as idosas que lhe surgiam à frente e demais palhaçadas dos protagonistas que querem mandar nas pessoas e cidades, que fico sem jeito. Sem capacidade. E sem vontade.

noventa e seis

Hoje vou falar sobre o mito que é a avestruz enfiar a cabeça num buraco quando está receosa. Estou em crer que os portugueses são medrosos, pois tendem a enfiar qualquer carapuça (ou capuz para ser mais moderno) que lhes seja apresentada. E se for numa bandeja servida com fato/gravata da Boss ou similar, é tudo muito fácil. Parece-me que o português anda tão aflito com o seu dia a dia que faz de avestruz a cada problema que surge o que já vem de algum tempo atrás. Isto tudo para chegar ao ponto que quero: a importância que damos ou não ao nosso futuro (local e global) e sentirmo-nos impotentes na educação do bem mais precioso de qualquer país, as nossas crianças.
É intrigante, direi mesmo aterrador, conversar com um adolescente de 13, 14, 15 anos. Escrevi conversar? Esqueçam. Tentar um diálogo com mais de cinco minutos com atenção focalizada, isso. Não pode ser normal perceber que os jovens não sabem nada de nada e, pior, nem querem saber. Enquanto lhes tentamos incutir alguns valores, eles são-nos ripostados com coelhinhas da playboy, simpsons, extreme makeovers, miamis inks e um sem número da patetices tão graves quanto estúpidas. Também, e agora falo só de mim, era um revoltado nessa idade, contra tudo e todos e com muitas certezas sobre os enigmas da vida. Mas bolas, tinha alguma cultura geral pois a isso era obrigado. Sabia que os EUA têm 50 estrelas correspondentes aos estados e fazer um ovo estrelado. Sabia que Camões tinha safo os escritos mas não o olho, ao mesmo tempo que olhava o mundo num globo iluminado. Sabia muita coisa sobre diversas matérias escolares. Sabia aritmética e tinha inteligência para decifrar pequenos problemas diários e, atenção, utrapassá-los sózinho. Hoje em dia e com a mesma idade que corresponderia a mais cinco anos que no nosso tempo, os petizes só pensam em sexo, roupa, moda, sexo, dinheiro, sexo, dinheiro, saír de casa aos 20 e ter grandes casas e carros de luxo nem que, e aqui está o busílis, seja necessário o sexo para lá chegar. Mas o que se passa? E não me venham dizer que há putos e putos, pois sempre haverá. O problema aqui é que não estamos a falar sobre júniores sem condições para estudar e ir longe na vida, mas exactamente sobre os meninos e meninas que até nasceram confortavelmente.
Dir-me-ão "é tirar o telemóvel", "é cortar os canais cabo", "especificar horas de internet", etc e tal. Sabemos bem o que estes passos provocam e por muitos castigos, proibições, policiamento e monitorização que consigamos, eles estão sempre tempo a mais sózinhos. Antigamente, quando fomos catraios, também fazíamos muita merda, mas não a pensavamos com orgulho nem a defendíamos com sangue. E de vez em quando, ouviamos mesmo os mais velhos pois lá no fundo no fundo, sabiamos que eles tinham razão. Hoje tudo mudou e a falta de respeito só tem paralelo na falta de inteligência.
E o que fazemos na maior parte dos casos? Imitamos a avestruz! Só que colocamos a cabeça no buraco não porque estamos assustados, mas porque ficamos com vergonha daquilo que acabámos de ouvir.