Construir uma premissa dramática não é, de todo, um segredo. Basta escolher um personagem e traçar-lhe um caminho. Ao longo desse percurso, alguns obstáculos vão surgindo e ele terá de tomar decisões.
Imaginem: o senhor João Desconhecido decide ir dar uma volta de carro para a montanha. Num repente, um grande tronco cai e atravessa-se na estrada. Decisão: voltar para trás ou torneá-lo? Decide meter o carro pela berma e arriscar. Quando se safa, percebe que a estrada continua em mau estado. Decisão: voltar para trás e reenfrentar a árvore ou continuar a aventura off-road? E por aí adiante.
A nossa vida é tal e qual a construção de uma narrativa. Estamos sempre a dizer que sabemos ao que vamos e mantemos a premissa que desenhámos no início da nossa adolescência, mas ficamos sempre perplexos quando chegamos ao próximo entroncamento. E pior ficamos se é um cruzamento.
É-nos difícil escolher – decidir – a esquerda, direita, frente ou para trás. Somos humanos, é natural recearmos o que sabemos não dominar.
É neste ponto que podemos dividir o ser humano em dois: há os que decidem seguir sempre em frente, e há os que ficam parados na encruzilhada sem saber o que fazer num primeiro momento.
Dizem que estes últimos são cuidadosos, receosos, que pensam muito bem e fazem todas as contas antes de decidir o próximo passo. Geralmente, a sua vida é menos tortuosa mas mais infeliz, contudo, são capazes de ter um emprego certo, alguma paz de espírito e uma condição ordeira.
Os outros, que nem olharam para trás, já lá vão muito à frente. Se calhar enganaram-se no caminho, tiveram acidentes, perderam pertences. Geralmente, a sua vida é mais tortuosa mas menos infeliz, contudo, não pensam sequer em voltar atrás aquando outro cruzamento. A vida é sempre em frente. São audaciosos, por vezes loucos. Têm uma vida cheia de altos e baixos e é assim que a vivem.
O interessante é quando estes dois géneros se cruzam e ficam frente a frente.
O audacioso está cansado de tanto correr e de continuar a ter de fazê-lo para sobreviver, visto que só raras vezes é que consegue um sucesso digno de registo.
O cuidadoso está cansado de tanto pensar e de continuar a ter de fazê-lo para que tudo continue a correr bem, perdendo horas em contas e papelada fiscal.
Por um momento, ambos gostariam de trocar de lugar.
Pensam nisso, nesse cruzamento em que se encontraram.
Podem até tornar-se amigos e viver um pedacito da experiência de cada um.
Encontram, regra geral, alguns pontos de contacto, sonhos idênticos, projectos similares. Mas quis a vida que fossem diferentes e que decidissem direcções opostas.
Qual deles será o mais feliz? Ou o menos infeliz?
Nem eles o sabem, quanto mais nós.
Tal como eles, só temos que tomar mais uma decisão e seguir o caminho que pensamos ser o certo, evitando a todo o custo o que temos de garantido: o andar às voltas.
E isso não é difícil, é apenas dramático.
8 comentários:
a teus pézes....
grande texto João! Parabéns!
Bem haja! :)
Que belo texto :):):)
E a grande questão é que estão sempre a surgir novas situações a exigir decisões.
Pois... :)
Andar às voltas - será isso tão pecaminoso assim?
Não será, também isso, parte do percurso? :)
Pode fazer parte, que faz, mas lá que enjoa...
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