quinta-feira, 30 de dezembro de 2010

Um pequeno passo atrás pode ser um grande passo para a humanidade



Levar com uma maçã no alto da cabeça pode mudar a forma como vemos o mundo. E explica muita coisa. Não há dúvida que o ser humano tem engenho e arte, alguma sabedoria e destreza, mas acima de tudo, a curiosidade felina e um espírito de sacrifício pouco comuns nas restantes espécies. E isto tudo sem contar com o luso desenrascanço, arte milenar que nos governa no dia a dia.

Enquanto vejo passar as últimas horas deste malfadado 2010, em que perdemos tanta gente boa, culta e valorosa, dei por mim a pensar no fulano que inventou que um ano tem 365 dias, mais um quando é bissexto, ou seja, um desenrascanço para alinhavar os números. Mas o que passou pela cabeça desse senhor para perder tempo com toda esta aritmética? E quantos “anos” levou para chegar à conclusão?

De vez em quando, um de nós tem uma ideia peregrina e, num repente, qualquer coisa estranha passa a conhecer uma lógica inabalável. Ele há de tudo, desde grandes pensadores que inventaram maquinetas que ajudaram outros a conseguir enormes feitos, até ao simples curioso que percebeu, arriscando a vida na apanha, que os percebes eram comestíveis.

A lista é infindável: quem foi o primeiro a descascar a banana antes de comê-la? Ou qualquer outro fruto? Quem foi o maluco que descascou a primeira pevide? E o tonto que se protegeu do frio com o primeiro “casaco” de pele e pelo?
É que falamos daqueles que inventaram a roda e perceberam que o mundo não era quadrado, mas esquecemos os pequeninos que nos mostraram o caminho, ao perceber que alguns cogumelos eram nefastos para a saúde e que aquecer azeite com cebola cortada traduz-se num dos mais apetitosos cheiros de que temos memória.

Ora se somos assim, curiosos e extraordinários, porque é que tivemos de inventar uma coisa chamada politica? E, muito pior, políticos? Quantos de nós já não nos enervámos porque temos soluções para os problemas e estes “profissionais” conseguem errar constantemente e fazer tudo ao contrário da mais humilde lógica?

A meu ver, todos eles poderiam levar com uma maçã no alto da cabeça. Até podia ser das podres. Talvez, com muita sorte, acordassem e percebessem que, fazendo mal as coisas, também eles irão perder todos os luxos que garantiram. Mais tarde que nós, mas também.
Até poderia ser que, no caso português, optassem pela reestruturação social, imitassem os antigos quando olharam a educação e a cultura como a grande ponte para a excelência de um povo, por exemplo.

É que sem bases sólidas, nenhum arranha-céus é seguro.
E nós temos a mania de voar alto.
Está na hora de voltarmos a ser pequeninos, mas curiosos e inventivos, destemidos e peregrinos, corajosos e loucos.

É este o caminho para voltar a ser grande.
Apenas um pequeno passo atrás.

Um bom 2011 para todos!

terça-feira, 28 de dezembro de 2010

Manter uma posição enquanto sofremos imposições


É uma realidade: a maior parte da nossa vida é passada com pessoas que nos são, de uma forma ou outra, impostas.
Começamos cedo, nos parques infantis. Devido ao bairro onde os nossos pais vivem, conhecemos a tenra idade de muitos meninos e meninas, alguns que serão os nossos colegas e amigos ao longo dos primeiros anos de escola.

Essa nossa vida estudantil ensina-nos que a vida é cruel. Quando firmamos as bases para um relacionamento estável e duradouro, lá vem uma nova escola e outra e ainda outra e, com elas, todo um rancho de crianças, adolescentes e jovens universitários.
Somos, portanto, obrigados a estar sempre a mudar de relacionamentos e amizades, algumas que até mereciam uma verdadeira oportunidade.

Chegados ao primeiro emprego - quem o consegue - temos de dividir o espaço com pessoas que não nos dizem absolutamente nada, totais estranhos e, muitas vezes, já receosos pela nossa anunciada presença.
Os choques de personalidade farão parte dos primeiros passos profissionais e criamos as primeiras inimizades que nos podem, realmente, prejudicar.

Tomamos o café com esta gente, passamos a hora de almoço com esta gente e, muitas vezes, ainda fazemos serões com esta gente. Enquanto isto, os nossos verdadeiros amigos, alguns dos quais nos acompanham desde a infância, convidam-nos para jantar ou tomar um copo depois do trabalho. Mas como são mesmo amigos, entendem as negas e fica sempre para uma próxima vez.

Depois casamos e conhecemos toda uma nova família, para além dos muitos amigos da nova companhia. Se bem que alguns são extraordinários, outros não alinham com a nossa – também para eles – imposta presença. Logicamente que haverá conflitos que darão discussões...
Mais uma vez, lá deixamos pendurados os que escolhemos com o coração anos atrás. Mas como são mesmo amigos, entendem as negas e fica sempre para uma próxima vez.

E os vizinhos das novas casas? Não são bem os do nosso prédio, com quem temos acesas discussões durante as reuniões de condóminos, mas sim aqueles que têm varandas ou janelas directamente viradas para o nosso ninho. É toda uma gente que não queremos conhecer, mas que nos entram pela sala dentro... diariamente.

Envelhecemos no meio de pessoas que nos foram surgindo ao longo dos anos, quer por motivos profissionais, quer porque todos acabamos por ter novos relacionamentos, e com eles, novas pessoas que trazem outras, para além de todas as famílias emprestadas que fomos, também, deixando para trás.
Depois alguns admiram-se que existam pessoas com mais de 500 relacionamentos “reais” no facebook e similares...

É um vaivém de apresentações, discussões, pazes e novas oportunidades. São as horas que passamos a olhar de lado alguns companheiros de vida de quem está na nossa alma. São conversas intermináveis com opiniões que não nos interessam e com quem não temos um pingo de cumplicidade.

Enquanto os anos voam, sentimos cada vez mais falta da simplicidade dos primeiros anos do parque infantil, em que gostávamos de A ou B e atirávamos pedras e areia a C e D.
Mas de vez em quando, nos aniversários, natais e passagem de anos, conseguimos lembrar quem nos ficou para sempre e prometemos que será diferente a partir de hoje.
Já ninguém acredita... mas como são mesmo amigos, entendem as negas e fica sempre para uma próxima vez.

segunda-feira, 20 de dezembro de 2010

Uma floresta começa sempre por uma única semente.



O que seria do mundo se não tivessem existido teimosos? Estaria, definitivamente, muito diferente e bem pior.

São os teimosos que não se vergam às leis humanas, que decidem tomar um caminho próprio e enfrentar as muitas lombas, muitos buracos, muitas rasteiras. Ganham ódios que lhes travam os ímpetos. Mas também ganham amizades, grandes amizades, com um respeito e admiração pouco comuns.

São os teimosos que lutam por um ideal ou uma simples ideia. E poucos falham na sua obra de vida. Podem azucrinar o espírito próximo, medindo-lhe o limite da paciência, enfrentando-lhe a discussão, tomando-lhe o pulso, mas, no fim, existe sempre mais um abraço e um sorriso cúmplice.

São os teimosos que impulsionam esta nossa vidinha tão ridícula. Enquanto vemos passar os dias como se fossem o prolongamento dos anteriores, essa gente chata descobre, em cada um, mais um motivo de luta, de entusiasmo, de tertúlia, de acção e, finalmente, de regozijo.

As teimosias podem ser infantis e até cruéis, como só os putos o são. Mas também há lugar para arrependimentos e passos-atrás mais rápidos que o anunciado. E, depois, há pazes que se fazem no meio de copos vazios e outros por esvaziar. E esse aperto de mão é, geralmente, o início de uma outra vida, que se junta às muitas paralelas que se podem viver.

Acontece que os teimosos vivem a vida mais depressa que todos os outros. E, por isso, desgastam-se a um ritmo mais acelerado. É o preço que se paga quando se é maior que a própria vida e, sabemos bem, ela nunca foi barata.

Os teimosos sabem bem que pisam o risco, mas preferem-no a ser iguais a nós, os demais, paranóicos e vulgares, cheios de medos e cuidados. Por isso são chatos e teimosos. Chatos porque são teimosos. E teimosos porque são chatos. Não mudam uma vírgula às frases que reescrevem. Mas mudam todas as almas que têm a sorte de conhecê-los, e por vezes, confrontá-los.

Acontece também que as lutas constantes causam mossa. E a guerra contra o tempo e a injustiça faz envelhecer um corpo, mas nunca a alma. É essa que perdura nos anais, que modifica algo nos restantes, que dá vontade para que continuemos esse caminho tortuoso, mas enorme, fantástico!

Por vezes, somos tocados ao de leve, pois o tempo foi escasso. Mas sentimos que essas horas, por pouco que signifiquem numa vida, foram grandes e maiores que ele próprio, esse tempo vulgar e que todos desejamos imortal.

E, num repente, acontece: passamos a ser teimosos. E chatos.



Foto de Carlos Pinto Coelho,  Ruins of St. Cucufate Monastery - Vidigueira - Portugal

quarta-feira, 15 de dezembro de 2010

De fio de prumo a fiel da balança.



Os meus amigos, na sua grande maioria, confiam-me segredos vários, desventuras, problemas, chatices. Sou, muitas vezes, um baú com cadeado a sete chaves, onde estão escondidos os desabafos, tristezas e alegrias de cada um.

É um caixote sem fundo, mas impenetrável, intocável. Algumas desventuras dariam para escrever verdadeiros thrillers ou filmes de terror. Outras entrariam na galeria das mais deliciosas comédias e existem várias que seriam personagens únicos em fantasias extremas. Mas não as utilizo, nem para divagações escondidas sob um qualquer alter-ego digital.

Também tenho os meus segredos e, para eles, todo um cofre-forte cuja password é indecifrável. Mas sou um sortudo e, quando é necessário um desabafo, alimentado etilicamente ou por qualquer outra razão maior, conheço vários ombros onde posso descansar.

Vem isto a propósito de quem não consegue guardar segredos. E, nos últimos tempos, esse “quem” tem nome: chamam-lhe wikileaks e, a um outro nível não menos global, “casa dos segredos”.

Sou da opinião que o site é um bocadito mais importante que a “casa dos segredos”, essa horrenda produção televisiva que me desnorteia a cada infeliz zapping.
Enquanto o primeiro está prestes a fazer derrocar o mundo tal o conhecemos, o segundo promete cometer uma proeza digna de registo: o recorde do mais baixo nível televisivo de que há memória.

No wikileaks, somos confrontados com o que, interiormente, já sabíamos: os governantes dos vários países não são pessoas em que se possa confiar e que o mundo, oriental e ocidental, está podre.
Na produção da, quase sempre ela, TVi, ficamos a saber que a malta bimba tem segredos bimbos, como prostituição, encontros com o além, casas de passe e ligações sexuais com o Pinto da Costa... sex sells.

Enquanto o mentor do site está acusado de ser um malandro no que toca à sua testosterona, os participantes lusos enrolam-se por debaixo de lençóis, na esperança de serem notados e falados cá fora... sex sells.

Como se vê, existem diferentes formas de tratar um segredo: guardá-lo, dá-lo ao mundo inteiro ou mostrá-lo a quem consegue ficar atónito quando faz um simples zapping.
A primeira, a qual prezo e defendo, faz parte da personalidade cuja educação teve a sorte de conhecer progenitores e educadores dignos e especiais.
A segunda é uma daquelas coisas que acontece e que alimenta os anais da História, quando lemos as razões que levaram à derrocada de grandes impérios e civilizações.
Já a terceira é questionável e, a meu ver, completamente desnecessária.

O meu desejo é que alguém passe ao wikileaks os podres da malta que pensa, produz e realiza esta desgraça televisiva.
O mundo poderá sobreviver aos governantes que conhece, mas ficaria muito melhor se esta gente desaparecesse, de vez, da caixinha que mudou o mundo.

Até eu deixaria escapar algumas coisas que sei... numa outra caixinha que veio alterar e alimentar o conhecimento global. E com ou sem nudez, porque o sex always sells.

segunda-feira, 13 de dezembro de 2010

Uma carta a deus ex machina.


Sempre se falou do conceito homem-máquina. As artes e ciências usaram-no a seu bel prazer, desde a arquitectura à pintura, passando pela engenharia à tecnologia.

O cinema abusou dos robots com coração sentimental e dos humanos cibernéticos. A banda desenhada também, desde os vilões aos super-heróis. E é melhor nem pensar no filme "Crash" de David Cronenberg...

Na música existe o eterno “the man machine” dos não menos clássicos Kraftwerk que levaram esse conceito até ao limite, colocando robots a tocar as músicas em pleno palco.

Portanto, a que se deve esta paranóia? Qual o interesse em juntar peças de metal à carne, trocar membros naturais por plástico e pilhas? Já não bastam as ajudas centenárias, como os óculos para quem é pitosga, muleta para os coxos, viagra para os adormecidos? Não! O desejo é ter órgãos novos quando abusámos dos originais. E quem não deseja um fígado por estrear?

Vai daí, debrucei-me sobre a questão, tal como Da Vinci, entre outros, o fez. Não me deixaram ir à morgue para comprar uns corpos sem alma, pois parece que é proibido para a maioria das pessoas. E também me esquivei a ser um serial killer, pois a policia anda de olho em mim desde que escrevi, tempo atrás, que procurava o crime perfeito.
Assim, limitei-me a tirar da caixa o antigo boneco do jogo “O Corpo Humano” e lá comecei a colocar as peças dentro das cavidades apropriadas.

O que descobri foi revelador!
Somos realmente um conjunto mal amanhado de pecinhas, colocadas uma por cima das outras, arrumadas de acordo com um qualquer manual de instruções que, milénios atrás, alguém escreveu e deixou por cá.
E este exercício, para quem montou um PC quando isso foi moda, torna-se realmente esclarecedor.

Ora vejamos: Se o corpo humano é uma caixa vazia (continuando com o conceito do computador), terá de ser vertical em vez de horizontal. Portanto, os portáteis e os novos tablets não são o melhor invólucro.
Continuando: o processador é o cérebro. A RAM, o cerebelo.
Estão a acompanhar-me?
O esqueleto é a motherboard. O disco rígido só poderia ser o coração, porque, geralmente, é o elemento que mais problemas conhece, desde crashes a viroses.
Os pulmões são a fonte de alimentação e o leitor-gravador de Cd/Dvd só podia estar transformado em fígado, pois é o que mais depressa se desgasta e encrava.
O teclado são as mãos, e os braços o cabo que o liga ao PC. O rato são as pernas e pés, pois é o que nos permite "andar" de um lado para o outro. Por sua vez, os olhos são o monitor e os diversos autocolantes e inscrições a laser, as tatuagens.

Para não vos chatear com os restantes elementos, termino com o mais chato, aquele que nos exaspera e a que desejamos dar um pontapé: são os cabos, todos emaranhados e torcidos. E o que temos dentro de nós que é a sua correspondência? Os intestinos!

Então? Continuamos a aceitar que foi algo divino que nos fez à sua semelhança ou concluímos que foi um qualquer engenhocas que era um desarrumado do piorio?

Mas essa nem é a maior questão!
O grande problema é que somos todos... made in China. E isso não é confortável, pelas mais diversas razões.

segunda-feira, 6 de dezembro de 2010

Os segundos em que o odor tem cheiro.



Somos um país atrasado. Dessa realidade não nos safamos. Até somos um dos PIIGs, embora aquele que mais dá utilidade ao bicho.
Mas uma coisa é ser-se pobrezinho e atrasado, outra é confrontarem-nos com o facto que somos malcheirosos e sem noção temporal.

Como consumidor de revistas semanais e mensais, estou atento aos pequenos sinais que nos atacam subliminarmente, muitas vezes disfarçados de anúncios publicitários.
Sabemos que o big brother is watching us, mas esta nova forma de nos “relembrar” a cada página ímpar que existem 30 relógios e 20 perfumes que alimentarão o nosso ego, começa a ser, quanto a mim, exagerada.

À falta de fé, valha-nos o conformismo capitalista. Os anunciantes sabem disso, as marcas também e a quadra festiva aproveita a falta de esperança religiosa para nos cativar com um sucedâneo, ou seja, um novo pertence que nos fará sentir mais de acordo com o retrato social que ambicionamos e, para alguns, uma maior proximidade com a divindade.

Ora isto seria tudo muito bonito se não estivéssemos a atravessar a tal crise de que todos falam (e que começou em 2000). Não compreendo como as marcas têm tanto dinheiro para gastar em anúncios e, ainda por cima, todos iguais.
A cada página folheada, lá está o relógio que custa uns bons 5000€. E como isso é para macho, surge logo a seguir um perfume mais catita que ronda os 100€, para mostrar à senhora que também vai receber um presente oneroso para mostrar às amigas. Esta situação repete-se até às últimas páginas da revista, folheada com a eterna esperança que alguém saiba que gostaríamos também de ser presenteados.

Mas... se há crise, não há pilim! Portanto, todos estes anúncios são dinheiro deitado à rua. Vai daí, forcei-me a pensar no porquê.
Ontem à noite, durante a insónia habitual alimentada pelas contas e pelo fisco, cheguei à conclusão que tudo isto é um embuste maquiavélico.

Ninguém quer vender relógios e perfumes! Mas as forças que governam, continuam a pensar que estão num oásis, cheios de esperança e com grandes planos para obras públicas faraónicas e inúteis.
Ora nenhum governante, que quer deixar gravado o seu nome a qualquer custo, deseja repetir a feijoada numa ponte, visto que essa leguminosa liberta gases que não são muito agradáveis.
Sendo assim, foi estudada toda uma campanha para mudar os hábitos lusitanos: perfume para esconder o facto que a água, a electricidade e o gás, fora o sabão e o champô, estão pela hora da morte, e um relogiozito catita para chegarmos à hora marcada, e não 30 minutos depois, para a inauguração de uma qualquer obra que mudará os destinos do país.

Sinceramente, esta fórmula roça o brilhantismo. Eu sabia que os milhões gastos no Magalhães iriam servir para alguma coisa.
Agora só falta mudar o acrónimo PIIG para BIG, pois somos... grandes, muito grandes!