segunda-feira, 31 de janeiro de 2011

Miscível não é a mesma coisa que misturável



Cada vez que vou a um restaurante, sou obrigado a avisar o empregado que não quero arroz com batata frita e também não quero cenoura ralada na salada mista. E isto acontece na maioria dos estabelecimentos comerciais.

Ó faxavor,  só quero batata frita! E ó faxavor, não quero cenoura ralada.
Mas quer arroz num pratinho à parte?
Mas que coisa... já lhe disse que só quero batata frita!
E a salada, continua a ser mista?
Mas concerteza! Só não quero a cenoura ralada, o resto pode vir tudo!

É complicado não iniciar a refeição com uma indigestão. Os cozinheiros, a não ser nos locais topo de gama e por conseguinte proibitivos, apanharam esta mania da cenoura ralada não se sabe bem onde. Mas não entendem que o sabor da cenoura crua nada tem a ver com a cumplicidade da alface, tomate e cebola, banhadas com azeite e vinagre? Cenoura crua com azeite e vinagre? Experimentem comê-la num pratinho à parte, ó faxavor...

O mesmo se passa com a dupla arroz cozido com batata frita. Só pela forma de confecção, como se junta um cozido a um frito? Por outras palavras, mas porquê e para quê? Só se for para encher o prato, tipo enfarta bruto, e os olhos para quem gosta de travessas a abarrotar. E como o arroz ainda é barato...

Algumas misturas até podem ser excelentes, vamos lá pôr ordem na mesa. E também acompanham na perfeição carnes várias bem grelhadas. O rodízio brasileiro é uma dessas excepções, onde o arroz mistura-se no feijão preto cheio de molho e com farofa por cima. As batatas fritas são o complemento, não o acompanhamento. Por exemplo, eu não como batatas fritas neste caso. Contento-me e aprecio a misturada cozida. Nem aqui junto fritos a cozidos, mas sei que sou dos poucos que rejeita a batata e a banana. Não sei, não combinam comigo. Mas ele há gostos para tudo.

Com a actual crise, é natural que comecemos a comer menos carne e peixe e nos sintamos obrigados a fazer uma alimentação mais cuidada, tipo vegetariana, em que as gramíneas, leguminosas e hortícolas terão grande destaque. Mas já foram a algum restaurante vegan? Não é estranho olhar para os habitués e reparar no seu ar escanzelado e esverdeado ou até acastanhado?
O problema é que são muito capazes de misturar alimentos, como o arroz a lentilhas, feijão frade a grão, que acompanham aquelas coisas sem cheiro e sabor, tipo seitan e tofu. Não é o mesmo problema? Misturar duas opções que deveriam ser apreciadas pelas suas únicas e diferentes características?

Imaginem uma refeição com feijão frade, ovo cozido e uma lata de atum. Não é bom? E não faz bem? Não é equilibrado e de uma saborosa simplicidade? Então porque misturar-lhe lentilhas, tofu ou algas?

Nada tenho contra a comida vegetariana (o mesmo não posso dizer da macrobiótica). Aliás, e confesso, de vez em quando até sabe muito bem. Mas escolhe-lha como alimentação principal, em que todos os dias vou ter que me virar para o empregado e pedir que retire coisas ou separe outras?
Não me parece.
Quando esse dia chegar (com o FMI ou qualquer outra palhaçada), até eu chorarei ao relembrar os pratos cheios de arroz e batata frita.

Mas, por favor, esqueçam lá a cenoura ralada...

segunda-feira, 24 de janeiro de 2011

Um burro sabe sempre o caminho para casa



Em tempos de crise, há que dar ideias aos mandantes para conseguirem tornear e resolver o problema.
Muito se tem falado sobre o custo de vida, os impostos agravados, o aumento do IVA, o final dos abates das carripanas, os atrasos de pagamentos a quem de direito, mas nunca li ou ouvi soluções sérias e adequadas.

Presto-me, então, e aqui neste espacito aberto ao mundo, a oferecer, de bom grado, pequenos conselhos de fácil implementação. Logicamente que são impostos, mais impostos, mas vamos dar-lhe outro nome para que o povo, sempre ordeiro, os olhe esperançosamente como um passo sério para a resolução dos seus males. E podemos até dizer-lhe que, desta vez, não lhe vamos ao bolso... o que até é verdade. Enfim, mais ou menos.

Ora vejamos:

1.     Imposto sobre... aham... Taxa Temporária sobre a Felicidade: 
A partir de 1 Fevereiro de 2011, será proibida qualquer manifestação de felicidade, desde sentimento particular a demonstração geral. No caso de acontecer, o prevaricador será multado e obrigado a pagar 100€ por cada grau de felicidade, de 0  a 10, tabela a ser produzida pelo futuro Ministério de Seriedade Social (MSS).

2.     Taxa Temporária sobre Sonhos:
Sonhar não é produtivo. Antes, desenvolve sentimentos antagónicos à realidade, provocando em quem sonha necessidades de procurar outro destino para a sua existência, situação desfavorável para a ordem social. Uma sobretaxa será aplicada aos sonhos eróticos. Contudo, quem tiver pesadelos poderá preencher o formulário adequado e pedir o adiamento do pagamento da multa, que entrará em vigor a partir de 25 de Abril de 2011, paralelamente à abertura do novo Instituto para o Regulamento de Vidas Equidistantes.

3.     Taxa Temporária sobre Boa Disposição:
Um povo tristonho e infeliz, é um povo trabalhador que aceita ordens e constantes entraves ao seu progresso individual e social. É imperativo continuar esta politica para evitar sérios atropelamentos ao desenvolvimento dos filiados dos partidos que ocupam o poder. Está prevista a constituição do Instituto 1984, subsidiário directo do MSS, e que terá a finalidade de marcar digitalmente o pescoço de cada contribuinte com um sofisticado chip que conterá a informação pessoal, desde dados genéticos e actividade profissional, aos momentos de relaxe e diversão. As coimas serão activadas a partir de dois momentos sorridentes.

4.     Taxa Temporária sobre a Fé:
Será totalmente proibido ter fé num futuro melhor. Serão também abolidas expressões como “luz ao fundo do túnel”, “pior do que está é impossível” e “amanhã é um novo dia”. Uma sobretaxa será aplicada à Fézada, uma situação anormal e aleatória, que concede algum alivio individual e alimenta quem está próximo. Jogos de azar serão obrigatórios e nestes serão incluídos os da Santa Casa. Os prémios ficarão na posse estatal, sendo paga uma renda mensal ao vencedor no valor de 1/1000 da quantia total. O futuro Ministério Contra o Abuso do Dinheiro Caído do Céu (MCADCC) terá um papel influente na Igreja, concedendo-lhe algum espaço de manobra, mas orientado e fundamentado pelo novo Tratado Anti-Esperança.

5.     Taxa Temporária contra a Simpatia:
Um povo simpático é um povo de bem com a vida, com alivio monetário e com serviços sociais funcionais. Este sentimento é nefasto à indústria pesada e pode travar o desenvolvimento do país e das exportações. Em época de crise, não existe lugar para filantropias. O estado de espírito tem de ser controlado afim de evitar relacionamentos cordiais e ajudas individuais. O futuro Instituto pela Gravidade de Porte, estará totalmente dependente do MSS, e actuará directamente sobre os casos isolados que continuem a defender, entre outras, a Boa Educação e a Responsabilidade Social.

Outras taxas estão a ser pensadas.

Desta forma, os mandantes conseguem criar mais um número indeterminado de institutos e ministérios, para além de todas as empresas constituídas pelos amigos que fornecerão estas entidades de forma directa, o que impulsionará a economia nacional com a criação de inúmeros postos de trabalho, remunerados acima da média, e com possibilidade de integração em grupo de trabalho activo de quatro em quatro anos. A possibilidade de carreira é uma realidade e existem bónus mensais e anuais, dependendo do alcance dos objectivos firmados a cada nova legislatura. 


quinta-feira, 20 de janeiro de 2011

O regresso do desejado será plural



Até que ponto somos garbosos e valentes?
Qual é o limite da nossa coragem?

Vemos, por todo o lado, exemplos extraordinários de bravura aquando uma desgraça, em que alguns colocam o valor da vida de outrem à frente do seu próprio temor e, por vezes, bom senso.
Aplaudimos com vigor essa intrepidez e seguimos em frente.

Sabemos que o ser humano é capaz de superar barreiras, tanto físicas como psicológicas, e olhar para um horizonte de esperança e melhor condição.
Mas ultimamente tem sido mais difícil. Mesmo muito mais difícil.

Há quem lhe chame crise, ou crime, desnorteio, falcatrua, imbecilidade ou mediocridade. Na verdade, estamos pobres, com uma mão à frente e outra atrás. A nossa dívida externa deverá fazer parte, daqui a 50 anos, de um pacote de perdões, porque nunca a iremos pagar. Tal como perdoámos os milhões emprestados a África. Até lá, os actuais mandantes deverão morrer de cirroses provocadas pelos melhores whiskies ou com diabetes alimentados por iguarias diárias.
Mas nunca morrerão de vergonha. Nem de arrependimento. E nem estão para isso, porque, aos poucos, conseguiram uma proeza digna de nota: o tornar cobarde o outrora vigoroso português.

A nossa valentia está doente, a nossa independência idem. Estamos cansados, tristes, indefinidos. Estamos fartos mas sem forças para lutar contra esta sina.
Vamos sobrevivendo, cada dia com menos no bolso, cada hora com mais ataques de pânico e stress acumulado. Olhamos à volta e não vislumbramos a luz ao fundo do túnel, só mais problemas acumulados.

O truque é muito simples: desespera-se o pensante e valoroso, minando-lhe os passos e as vontades. Destrói-se a sua independência, provocando-lhe necessidades a que nunca esteve habituado. E, depois, oferece-se um tachinho ou uma posição em qualquer entidade fabricada para alojar esta gente.
Sem esperança e com dívidas, poucos são os que não aceitam esta esmola.
Os que anuem, sabem que é sol de pouca dura, até outros boys tomarem o lugar destes já mais crescidos. Mas a questão é aguentar o dia a dia e, de certa forma, recuperar alguns vícios sociais. E isso tem muita importância para o português.

Outros há que se mantêm fiéis à sua demanda, recusando o sistema, quer por vergonha própria, quer por educação (também própria) ou mesmo por teimosia (ainda mais própria).
A estes temos de dar os parabéns, mesmo sabendo que não paga contas nem enche o frigorífico. E é com pena que os vemos, aos 30 e 40 anos, a embarcarem num navio com asas e a pirarem-se deste seu cantinho e terra, em busca de qualquer solução séria e honrada.

Diariamente, Portugal vê desaparecer a sua boa casta, um dna que custou a fabricar e que deveria acarinhar e fortalecer. Mas a cada um que se vai, mais poder é garantido aos medíocres que nos enterraram.
É sempre mais fácil mandar em quem tem medo de perder o pouco que ainda tem...

O problema destes tipos mandantes é que se esqueceram, porque são ignorantes e carreiristas, que o português consegue milagres quando apoiado. É sempre dos melhores quando reconhecido. É um exemplo quando o deixam em paz a trabalhar e construir.

Estes que se estão a ir embora, sabem que vão regressar, um dia, à sua terra. Mas sem problemas, com a carteira cheia e uma vontade e dinamismo extraordinários para recomeçar uma guerra.
Pode demorar uma década, ou até mais, mas quando se reunirem na Portela, trocarão abraços guerrilheiros, olhares cúmplices e iniciarão uma revolução necessária e imperativa.

Há os que defendem que será imposta uma ditadura intelectual. Outros industrial. Seja ela qual for, que se apressem.

Até já.

quarta-feira, 19 de janeiro de 2011

Usar sempre a borrachinha e nunca perde-la de vista



Causa-me confusão chegar a uma cozinha e ver o ralo do lava-loiça destapado.
Custa-me saber que os restos da comida, e outras coisas, vão desaparecer por ali abaixo, provocando entupimentos mais ou menos graves que poderão ocasionar rupturas na canalização, com a consequente inundação doméstica e inevitáveis dores de cabeça e gastos extraordinários.

Sempre tive estas manias, adoro tapa-ralos, como gosto de ligar e desligar os interruptores de uma forma lenta e suave.
Tento também poupar água de duas formas: pressionar o botão do autoclismo a meio da descarga, e fechar o chuveiro aquando a ensaboadela corporal.
Também gosto de evitar que todas as lâmpadas estejam acesas em divisões onde não está ninguém e fico chateado quando, depois de avisar, o hábito se mantém.

Estão a ler isto e devem pensar “epá, o rapaz é verde e poupado”. Nada mais falso! Se contarem as luzinhas vermelhas e azuis dos stand by’s na sala, de certeza que ficariam estarrecidos, como eu fico, a pensar nos watts mensais.
Então porque não desligo tudo? Razão simples... dá uma trabalheira reiniciar as maquinetas todas as manhãs.

Isto demonstra que pensamos numas coisas e voltamos costas a outras, tão ou mais importantes. Ao tentar compreender porque sou um chato numas e não em todas, dei por mim a relembrar a educação parental.
Realmente, a minha mãe falou-me do ralo e dos canos, enquanto o meu pai explicou-me o desgaste dos interruptores e das lâmpadas.
Só não mencionaram as luzinhas vermelhas e azuis porque... não existiam.
Por conseguinte, não obtive nenhum conselho sobre as mesmas e a minha casa é o retrato dessa falta de educação.

Dou por mim a ver os jovens a não fechar as torneiras, a despejar tudo para o ralo e a não desligar os apetrechos electrónicos, desde o computador aos telemóveis. Ou seja, nesta demanda pelo reconhecimento profissional, a minha geração esqueceu-se que tinha de educar os petizes nestas coisas mais prosaicas, e agora pagam uma factura mensal... bem alta, já para não falar do desgaste prematuro das maquinetas o que provocará o reforço dos investimentos bem mais cedo que o esperado.

Armando-me em Capitão Verde, tentei explicar no outro dia, enquanto se lavava a loiça, a possibilidade de entupimento da canalização da cozinha, devido a terem retirado o tapa-ralo do seu lugar. A resposta foi simples: “lá estás tu a ser chato! Isso nunca aconteceu a ninguém!”
Quedei-me... uma das coisas que aprendi ao lidar com malta mais nova, é que eles não ouvem. Mas lá recoloquei o dito.
O alarme tocou durante essa mesma noite, quando a avó da petiz telefonou aflita: a água não parava de brotar do seu lava-loiça, tinha a cozinha toda inundada, o seguro estava-se nas tintas e a Epal demorava. Uma desgraça!

Depois de prestada a ajuda possível, olhei de lado para a petiz, enfiada nas sms do seu melhor e mais íntimo amigo, o telemóvel. Ela fingiu que não percebeu que a olhava, mas não aguentou e explodiu: “Eu sei, eu sei! Tens razão!”

Sorri.
No dia seguinte, o tapa-ralo tinha sumido para sempre.
A petiz levou-o para casa da avó e deixou-me... sei lá.... enervado. 
Saltou-me literalmente a tampa.
Uma coisa é ficarmos satisfeitos por ter ensinado algo, outra é sermos prejudicados de uma forma tão vil e sem aviso prévio.

Tenho ali uma data de loiça acumulada...



terça-feira, 18 de janeiro de 2011

Ai fidelidade, a quanto obrigas o hábito de cada um



Isto da crise já se sabe que não é para todos. Os mais ricos enriquecem e os mais pobres sobrevivem. O desgoverno já nem vergonha tem, mas o povo continua ordeiro e sereno, chegando mesmo a criticar a falta de paciência dos gregos e irlandeses, dos tunisinos e haitianos.

Somos assim, para sempre amedrontados e subjugados por meio século de silêncios e demais ofensas. Dizem que é fado, outros sina, outros ainda molenguice.
Lá fora, os senhores endinheirados olham-nos como Piigs, os vizinhos como um mal menor, os orientais como porta de ouro e os restantes nem sabem quem somos ou onde estamos, tal a nossa actual pequenez, só perfurada de dois em dois ou de quatro em quatro anos.

Contudo, há um elemento que diferencia o português dos demais povos: a fidelidade! Somos tão ou mais que o bacalhau. Revemo-nos nos nossos amados cães, mesmo que os abandonemos antes das férias que outrora foram grandes.
Também continuamos agarrados aos amigos de sempre, assim como às imperiais da marca esta ou aquela, aos tremoços que ainda não se pagam e à bica, complemento vitamínico e proteico para um dia de labuta.

E... parece-me que são os últimos estandartes dessa nossa verdade.

Repare-se, tudo começa quando mudamos de banco. De banco! Por acaso os nossos pais e avós mudaram alguma vez de balcão, quanto mais de banco? Sempre foram fiéis ao Sr. Lopes ou à menina Isabelinha, cumprimentavam todos os funcionários às nove da manhã e as portas estavam sempre abertas, mesmo após as 15h. Hoje, mudamos de banco mal se anuncia uma escalada de juros, independentemente deles próprios (banqueiros) fazerem tudo por tudo, com a constante mudança de gestores de conta, para que não nos sintamos muito à vontade.

Antigamente também fomos fiéis à marca de automóvel. Uma vez francês, toujour français. Uma vez inglês, always british. E por aí adiante, só para não ter de escrever em germânico. Hoje escolhemos a que oferece maior desconto ou mais extras. Nem que seja coreana.

Os petiscos, outrora simbologia nacional, também estão a ser postos de lado, não somente pelo aumento do preço e Iva, mas também porque não são salutares. Ou pelo menos, essa é a desculpa cordial que apresentamos aos demais convivas, quando sabemos que pagar aquela sapateira, os percebes, as entradas, as saídas e os acompanhamentos etílicos, vai fazer-nos mossa lá para o meio do mês.

Enfim, tantos casos que fazem parte de um passado recente, como a ida domingueira ao restaurante preferido da Ericeira para degustar o belo do peixinho fresco, o fim de semana no Algarve (onde ainda muitos têm casa mas já não têm dinheiro para a gasolina e portagens), os copos ao fim de semana pela noite dentro, a visita semestral ao dentista para toda a família, a prenda de aniversário mais especial e onerosa para o amado, um special weekend com english breakfast na cama, as delícias das prateleiras mais altas dos supermercados, e tanta, tanta, tanta coisa.

Mas existe ainda um hábito fiel que conseguiu uma extraordinária estoicidade ao longo dos últimos anos de constantes aumentos: a marca de tabaco! Os fumadores, cada vez mais olhados de soslaio e expulsos dos locais que sempre frequentaram, ainda olham para o seu maço com o logotipo preferido como se de um talismã se tratasse. Aguentam firmes e hirtos o aumento de ontem que rondou os 40 escudos, o de hoje que aumenta 30 e o de amanhã que promete encarecê-lo mais 50.

Era bom, não era?
Até os fumadores tiveram que se fazer à dose. Aliás, a outra dose. O do costume, para sempre guardado diariamente na banca da esquina, passou ontem a ser aquele de menos 10 cêntimos. Hoje, é aquele que custa menos 15 e, amanhã, escolhe-se o que estiver esquecido na prateleira e que ainda está ao preço antigo de anteontem.

E isto sim, demonstra o ponto a que chegámos, nobre povo que demos mundos ao mundo, mas que já não podemos dar mais nada a ninguém porque há ainda outra coisa que sobe mais que o tabaco: a gasolina.

E é melhor nem ir por aí. Nem podemos... porque temos o depósito mais que vazio.

segunda-feira, 17 de janeiro de 2011

Passar novamente a ser Virgem, nem que fosse por poucos dias



Confesso que não percebo nada de signos nem sei a que mês pertence este ou aquele, com a única excepção do meu próprio e dos de alguns amigos próximos.
Nem compreendo a sua utilidade no início de conversas sociais: Olá, eu sou Gémeos e tu? Ai, Gémeos, que horror! Foge! Foge! Não se pode confiar em vocês.
Mas o que vem a ser isto? Mas porque é que certas almas acreditam mesmo nos horóscopos, lêem as revistas e aqueles livrinhos de bolso que são publicados a todos os Janeiros?

A confusão global instalou-se com o anúncio que teríamos de subtrair um mês ao nosso signo, para conhecermos o, afinal, correcto.
Não se falava de outra coisa e, confesso, também fiz o ensaio e calhou-me Touro. De Gémeos para Touro.
Ora bem, o que é que sei sobre Touros? Pouca coisa. Toda a info registada tem a ver com uma muito ex-namorada e o resultado não foi bonito.
Ao contrário dos Gémeos que são ar, os Touros são terra. Também ao contrário, detestam mudanças e coisas novas. Ainda mais ao contrário, são metódicos e adoram cumprir objectivos. E, para finalizar a comparação, são teimosos e pouco dados a alterarem a sua posição.

Isto assustou-me. De Gémeos, ou seja, do melhor signo do mundo em que duas cabeças pensam melhor que uma e dois corpos são mais trabalhadores que apenas um, vejo-me com um par de cornos, teimoso como uma mula, agarrado às coisas como uma lapa e com a mania de ser melhor que os outros como um leão.

Fiquei, para além de chocado, deveras tristonho.

Saí à rua, nestes dias sebastianistas, e deambulei pela minha zona da cidade que me protege das confusões e ajuda às confissões. Teria de modificar a minha personalidade, deixar de ser sonhador, um bocado aéreo. Passaria de criativo livre e desempoeirado a um suitman cheio de tiques e horários para cumprir.
Passaria a ter a secretária arrumada, o trabalho dividido por folders num ecrã inicial com a foto dos entes queridos, utilizaria pela primeira vez a agenda do telemóvel, só iniciaria a leitura de um livro quando terminasse o que estou a ler e tantas outras coisas que nada têm a ver comigo.

Trata-se de uma enorme injustiça! Compreendo, e até aceito, que os Touros gostassem de passar a ser Gémeos ou, pelas novas contas, que o signo que vem a seguir, um tal de Caranguejo, adorasse passar a ter uma figura humana... aliás, logo duas.

Mas nem todos se podem queixar. Por exemplo, os ex-Balança passariam a ser novamente Virgens. Um sonho antigo da humanidade e para que já existe uma operação cirúrgica. Já os Virgens ficariam mais impuros e deixariam de poder afirmar, com toda a sinceridade, que ainda o eram.

Bolas, antes Virgem que Touro. Pelo menos poderia sorrir nervosamente aquando a próxima noite de luxúria. Mas não, mas não...

Felizmente, as notícias mais recentes afirmam que os signos continuam a ser os mesmos de sempre! Qualquer coisa relacionada com o zodíaco tropical, a projecção elíptica da Terra e um qualquer ponto vernal.

Este rumor, afinal, não passou de um desejo de astrónomos do Minnesota, ou seja, americanos, o que explica muita coisa, principalmente para a crescente fatia da população que já não pode com eles.
Mas cá para mim, estes senhores tinham apenas um desejo:
Deixarem de ser Virgens... if you know what i mean..., e de geeks de laboratório transformarem-se em top models de passerelle.

Opá, se uns acreditam, porque não outros?

quinta-feira, 13 de janeiro de 2011

Os dois lados de uma circunferência



Construir uma premissa dramática não é, de todo, um segredo. Basta escolher um personagem e traçar-lhe um caminho. Ao longo desse percurso, alguns obstáculos vão surgindo e ele terá de tomar decisões.

Imaginem: o senhor João Desconhecido decide ir dar uma volta de carro para a montanha. Num repente, um grande tronco cai e atravessa-se na estrada. Decisão: voltar para trás ou torneá-lo? Decide meter o carro pela berma e arriscar. Quando se safa, percebe que a estrada continua em mau estado. Decisão: voltar para trás e reenfrentar a árvore ou continuar a aventura off-road? E por aí adiante.

A nossa vida é tal e qual a construção de uma narrativa. Estamos sempre a dizer que sabemos ao que vamos e mantemos a premissa que desenhámos no início da nossa adolescência, mas ficamos sempre perplexos quando chegamos ao próximo entroncamento. E pior ficamos se é um cruzamento.

É-nos difícil escolher – decidir – a esquerda, direita, frente ou para trás. Somos humanos, é natural recearmos o que sabemos não dominar.

É neste ponto que podemos dividir o ser humano em dois: há os que decidem seguir sempre em frente, e há os que ficam parados na encruzilhada sem saber o que fazer num primeiro momento.
Dizem que estes últimos são cuidadosos, receosos, que pensam muito bem e fazem todas as contas antes de decidir o próximo passo. Geralmente, a sua vida é menos tortuosa mas mais infeliz, contudo, são capazes de ter um emprego certo, alguma paz de espírito e uma condição ordeira.
Os outros, que nem olharam para trás, já lá vão muito à frente. Se calhar enganaram-se no caminho, tiveram acidentes, perderam pertences. Geralmente, a sua vida é mais tortuosa mas menos infeliz, contudo, não pensam sequer em voltar atrás aquando outro cruzamento. A vida é sempre em frente. São audaciosos, por vezes loucos. Têm uma vida cheia de altos e baixos e é assim que a vivem.

O interessante é quando estes dois géneros se cruzam e ficam frente a frente.
O audacioso está cansado de tanto correr e de continuar a ter de fazê-lo para sobreviver, visto que só raras vezes é que consegue um sucesso digno de registo.
O cuidadoso está cansado de tanto pensar e de continuar a ter de fazê-lo para que tudo continue a correr bem, perdendo horas em contas e papelada fiscal.
Por um momento, ambos gostariam de trocar de lugar.
Pensam nisso, nesse cruzamento em que se encontraram.
Podem até tornar-se amigos e viver um pedacito da experiência de cada um.
Encontram, regra geral, alguns pontos de contacto, sonhos idênticos, projectos similares. Mas quis a vida que fossem diferentes e que decidissem direcções opostas.

Qual deles será o mais feliz? Ou o menos infeliz?
Nem eles o sabem, quanto mais nós.

Tal como eles, só temos que tomar mais uma decisão e seguir o caminho que pensamos ser o certo, evitando a todo o custo o que temos de garantido: o andar às voltas.
E isso não é difícil, é apenas dramático.

segunda-feira, 3 de janeiro de 2011

Os belos tachos que existem para quem trabalha com tachos



Fico sempre estupefacto quando vejo um anúncio de um trem de cozinha da inenarrável ideiacasa. O demonstrado frete de quem apresenta o produto, dizendo que é a melhor coisa do mundo, denota também o enfadado trabalho do copy, que, coitado, preferia estar a escrever um anúncio fantasma para tentar ganhar um qualquer prémio internacional, ao invés sobre as inúmeras qualidades dos tachos de metal com, vejam bem, apliques em "ouro".

Logo depois vem um programa de culinária com a Nigella, tão britânica e perfeita na sua cumplicidade com a família - que entra nos programas - assim como na dos amigos convidados para o repasto, que querem é aparecer na televisão.

Temos também o puto reguila (e anafadito) Jamie que, no meio de “f words” lá consegue dizer que os vegetais são salutares e necessários, tendo enveredado por um caminho mais trabalhoso que é o de tentar mudar a alimentação nas escolas britânicas. Ganhou projecção e muito, mas mesmo muito taco, nesta sua demanda pseudo-vegetariana.

Estes dois cozinheiros são quem mais vende livros pelo mundo. Livros de receitas que também dominam os tops portugueses, ao lado de “O Principezinho”, Crepúsculos e feiticeiros. Não é estranho?

Compreendo que os portugueses gostem de ver programas culinários, pois somos um dos povos com mais saberes sobre a arte, e é sempre de bom tom conhecermos mais uma receita. Mas comprar os livros desta gente? E então o Pantagruel? Ou a sebenta da avó? Ou até mesmo as fichas do Pingo Doce? É que estes dois chefs são, para quem ainda não tenha percebido, ingleses! E todos sabemos que a cozinha britânica é, talvez, a pior do mundo.

Esta minha opinião é discordante da dos meus mais próximos. E enquanto eu prefiro ver aquele senhor grisalho a comer pelo mundo tudo o que faz mal, relembro também dois outros programas culinários que segui: um foi o “two fat ladies” e um outro com um chefe negro e gay, que me mostrou delícias globais. Confesso não me lembrar do título e do nome do sujeito, mas faço um salmão com um molho extraordinário à conta dele.

Ora a discussão estala: como é possível eu gostar deste fulano que apresenta o “No reservations”? Mas que nojo, tal e coiso, ele come tudo e mais alguma coisa, desde insectos a testículos de boi.
Sim... eu sei. Mas descobre novos sabores, novas formas de cozinhar, mostra-nos o mundo real, o que as pessoas comem lá no morro do Rio como à beira rio no Vietname.
Ou seja, para mim, comida não é só um alimento. É também terra, ar, fogo e água. São as tradições, as misturas, as originalidades. É por isso que gosto de ver programas diferentes e ousados, curiosamente, feitos por.... ingleses!!!

Interessante é que a mais saborosa comida não é preparada num glorioso trem de cozinha nem tem um livro de capa dura a acompanhar:
Uma tradicional e tosca assadeira de barro, louro, pimenta, sal e azeite fazem com que todos nós, sem excepção, sejamos o mais fantástico dos cozinheiros.
Não precisamos da originalidade de um lençol enrolado na cabeça, nem dos milhões que a BBC ou ITV investem neste conceito televisivo.
Apenas aguardamos que um amigo ou grupo de amigos nos digam que querem jantar connosco, para provarmos que somos capazes de iguarias ímpares, sem recurso a livros nem programas gravados.

A simplicidade não engana. É como o algodão. E sabe bem.